Enéas Athanázio
EU, LAMPIÃO
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Comentar livro bom se torna fácil, ainda que o tema tratado seja
complexo e o estilo arrevesado. Duro mesmo é extrair uma crônica com começo,
meio e fim de livro ruim, pobre de ideias e sugestões, limitado ao simples
relato de fatos. É de provocar suores no frio e arrepios nas canículas. Por
tudo isso, abordar o livro “Eu, Lampião”, de Almir Gomes de Castro (Edições
Livro Técnico – Fortaleza – 20008) foi a mera continuação de uma leitura
prazerosa. Ele me foi oferecido pelo renomado poeta Valdemar Alves.
Salteadores de estradas, solitários ou em grupos, e ladrões de vários tipos
sempre existiram, e tanto a história como a literatura estão recheadas de
relatos a respeito. Mas o banditismo organizado nos moldes do cangaço foi um
fenômeno típico do Brasil e vicejou no Nordeste desde as últimas décadas do
Século XIX até 1938, ano da morte de Lampião, data assinalada pelos
estudiosos do assunto como a do seu fim. Foi um tipo de atividade criminosa
que se tornou possível graças à imensa extensão territorial da região, com a
população rarefeita, o isolamento das vilas e pequenas cidades e à ausência
de limites entre os grandes latifúndios dominados pelos coronéis. Tudo isso
facilitava a estupenda movimentação de bandos bem organizados, chefiados por
verdadeiros estrategistas e obedecendo a rigorosa disciplina interna, que
atacavam e saqueavam fazendas, vilas e pequenas cidades em vários Estados da
região. Praticavam uma espécie de guerrilha, de que foram precursores,
valendo-se da surpresa, embora muitas vezes usassem da extorsão pura e
simples, enviando ultimatos às autoridades locais. Conhecedores das
caatingas, retiravam-se para lugares seguros após as grandes ações, assim
como os gangsteres americanos fariam mais tarde. Muitas vezes contavam com o
apoio de fazendeiros, comerciantes e políticos poderosos que lhes forneciam
armas, munições, suprimentos de boca e até mesmo lugares secretos em suas
propriedades. Eram os chamados coiteiros.
Entre os chefes
cangaceiros, muitos alcançaram grande renome e chegaram a ser admirados como
uma espécie de justiceiros que tomavam dos ricos para dar aos pobres, numa
época em que imperava a completa injustiça social e os menos aquinhoados
viviam em situação de miséria, ainda mais nos longos períodos de seca.
Nenhum desses chefes, no entanto, granjeou a fama de Virgolino Ferreira da
Silva, o Lampião. Em torno dele se criou verdadeira lenda e suas atividades
deram margem a uma extensa literatura que não cessa de crescer e se espalhou
pelo cordel, o teatro, o cinema e a televisão, sem falar nas constantes
matérias jornalísticas.
Embora seja um romance, “Eu, Lampião” é
escrito em primeira pessoa, com o próprio personagem narrando a história de
sua vida no formato de memórias ou autobiografia. O estilo é trabalhado e
quase sempre alcança o nível da prosa poética. E assim vai desfiando os
principais eventos de uma vida de correrias, combates, violência e tragédia,
com poucos intervalos de paz. Começa relatando as intrigas com os vizinhos e
a morte do pai, fatos que o levaram pelo caminho do cangaço, ingressando no
bando co célebre Sinhô Pereira. O batismo de fogo, as mortes dos irmãos,
também cangaceiros, a inesquecível recepção no Juazeiro do Padre Cícero, o
malfadado ataque à cidade de Mossoró, onde foi derrotado e saiu
desmoralizado, as traições de que foi vítima, a fuga para o impenetrável
Raso da Catarina, convivendo com cobras e aranhas, o ingresso de Maria
Bonita no bando, o nascimento dos filhos e, como fecho trágico, o cerco do
grupo pela volante do Tenente Bezerra, na Grota do Angico, em Sergipe, onde
pereceu ao lado de Maria Bonita e outros companheiros. Em muitas passagens
ele se mostra um homem angustiado, cansado da vida que levava e com a
intenção de abandoná-la. Mas as circunstâncias não permitiram e ele carregou
o seu fardo até o fim.
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e.atha@terra.com.br
(15 de julho, 2016)
CooJornal nº 992
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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