Enéas Athanázio
A tão falada biblioteca
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Para o amigo Ataíde Ribeiro
Graças à oferta do amigo Ataíde Ribeiro, tenho a oportunidade de
manusear um livro curioso e diferente. Trata-se de “Para a tão falada
biblioteca de Guita e José Mindlin”, organizado por Lucia Mindlin Loeb e
publicado pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP) em 2013.
Trata-se de um livro-álbum de sofisticada feição gráfica que reúne uma
coletânea de dedicatórias escolhidas e reprodução das capas dos respectivos
livros oferecidos à biblioteca de Guita e José Mindlin, formada ao longo da
vida do conhecido colecionador de livros, “a maior biblioteca brasiliana da
América Latina”, para repetir as palavras da apresentadora da obra, Eloá
Chouzal.
O livro se abre com uma oferta de seu próprio livro à
biblioteca que era dele mesmo, José Mindlin. A dedicatória insólita se deveu
ao fato de que ele, oferecendo aos visitantes e amigos os exemplares do
livro de sua autoria, “Uma vida entre livros”, acabaria esgotando a edição
sem que um único exemplar restasse para o acervo. Assim, graças ao alerta
das bibliotecárias, o risco foi afastado. Seria lamentável que uma coleção
tão ampla de obras de incontáveis autores não tivesse a de seu dono e
diretor.
Seguem-se inúmeras dedicatórias, algumas mais longas e
palavrosas, quase cartas. Existem autores que aproveitam a ocasião para
colocar a correspondência em dia... Drummond, por exemplo, lança uma
dedicatória de quase duas páginas, o que é de admirar porque foi sempre
contido nas palavras. Outras são mais secas e curtas, conforme o
temperamento de cada autor. Há dedicatórias formais, como a de Érico
Veríssimo em seu livro “Fantoches”: “Para o Dr. José Mindlin – que já
considero meu amigo – esta lembrança dos “dois Éricos”, o neto e o avô. Com
um abraço do Érico Veríssimo.” Já Geraldo Cavalcanti é curto e seco como
quem se desincumbe de uma obrigação: “Para José Mindlin, com um abraço do
Geraldo. Março/65.” Dez palavrinhas e estamos conversados. Wanda Fabian vai
na mesma linha: “Aos amigos Guita e José, os bons votos de Wanda. “ Nada
mais.
Surgem casos estranhos, como o livro de Alfredo Mesquita que
contém duas dedicatórias a Mindlin, uma do próprio autor e outra de Hilde.
Mais curioso ainda é que a dedicatória é ilustrada com uma caricatura feita
a tinta, não se sabendo se é do autor do livro ou do colecionador, mas, ao
que parece, deste último. Algumas dedicatórias contam casos, como a de
Antonio Candido onde esclarece que está repetindo a oferta porque o volume
anterior continha um defeito “e ao José só se pode mandar livro em
condições...” Cristiano Mascaro, por sua vez, faz confissões e filosofia;
afirma que “meus olhos marejaram, é verdade”, ao ler um texto de Mindlin,
porque “ler é se emocionar...” Cristina Antunes faz uma declaração de amor à
biblioteca: “Para Dr. José, essas histórias de boa parte de minha vida entre
estantes e livros de sua biblioteca fantástica, onde tenho o privilégio da
leitura, do aprendizado e, acima de tudo, da amizade.” O livro de memórias
“Mi último suspiro”, de Luis Buñuel, traz a seguinte dedicatória: “Olá, José
Mindlin! Con un abrazo de un fantasma, Luis Buñuel, y la amistad de un vivo,
Jean Claude Carrière.” O autor da dedicatória se fez porta-voz do além e
falou pelo morto. Também ilustra com a caricatura de um fumante com cigarro
na boca.
As dedicatórias vão das mais prosaicas às mais criativas.
Folhear o livro é, ao mesmo tempo, um passeio pela nossa literatura e a
recordação de tantas obras já lidas e que deixaram boas recordações. Ali
estão, entre outros, Guilherme de Almeida, Oneyda Alvarenga, a secretária de
Mário de Andrade, Manoel de Barros, Raul Bopp, Câmara Cascudo, Gilberto
Freyre, Mario Vargas Llosa, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz,
Fernando Sabino, Pierre Verger, muitos e muitos outros. Fica o desejo
inadiável de uma visita à tão falada biblioteca de José Mindlin, a quem
conheci numa exposição realizada no Museu Lasar Segall, em São Paulo, e que
até me ofertou um livro com dedicatória e tudo mais. Valeu.
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e.atha@terra.com.br
(1º de abril, 2016)
CooJornal nº 978
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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