Enéas Athanázio
Dom Horacio Quiroga
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Caso raro nos anais literários, Dom Horacio Quiroga (1878/1937) nasceu
no Uruguai mas não obteve no país natal o reconhecimento merecido porque
grande parte de sua obra é ambientada na Argentina e como tal considerada.
Mas a Argentina também não o reconheceu como um dos seus pelo fato de ser
uruguaio. E assim esse extraordinário escritor nunca mereceu a consagração
em vida, apesar dos esforços de alguns admiradores. Sua obra literária, no
entanto, é uma das melhores e mais interessantes da literatura
latino-americana. Novelista e contista de primeira linha, teve e ainda tem
inúmeros leitores no Brasil, entre os quais eu me incluo.
Quiroga
teve uma vida conturbada e sofrida, marcada pela tragédia. Depois de
diagnosticado como portador de mal incurável, suicidou-se na noite de 18
para 19 de fevereiro de 1937, deixando consternados seus leitores e amigos.
Ainda criança, perdeu o pai em duvidoso disparo de arma de fogo que deixou
muitas dúvidas. Mais tarde, suicidou-se também o padrasto. Em 1902, num
disparo acidental de pistola, mata o poeta e melhor amigo Federico Fernando
e, desesperado, tenta o suicídio. Ana Maria, a primeira esposa, também se
mata e o mesmo fariam, após sua morte, os três filhos. Como se não bastasse,
o ex-presidente Baltazar Brum, seu amigo e protetor, também põe fim à vida.
Convenhamos que foi uma dose de desgraças digna das mais pesadas novelas de
horror.
Mesmo assim, porém, Quiroga produziu uma obra imortal dentro
da qual se destacam “História de um louco amor” e “Passado amor”, novelas
publicadas num só volume pela L&PM Pocket (Porto Alegre – 2008), em tradução
de Sergio Faraco. Apesar do longo tempo decorrido entre a produção de uma e
outra, ambas são histórias de amor, como indicam os títulos, e têm alguma
semelhança entre si. Segundo os críticos, elas guardam muito de
autobiográfico, uma vez que o autor também encontrou oposição das famílias,
como nas novelas. Em ambas, o personagem masculino tem atitudes ambíguas
relativas à destinatária de seu amor. No primeiro caso, parece indeciso
entre a irmã mais velha e a mais moça, ora pendendo para uma, ora para
outra, mas tudo indicando que amava mesmo a mais jovem. No segundo caso,
parece ignorar o amor de uma enquanto se devota à outra. Dessas posições
neuróticas e doentias, resulta o inesperado nas duas situações: perde as
duas mulheres e continua o solitário sofrido que sempre foi. Os relatos, no
entanto, são repletos de pequenos incidentes que tornam as novelas uma
leitura das mais interessantes e as questões íntimas que o personagem
central impõe a si mesmo são convincentes.
Tal como o autor, na vida
real, o personagem também nutre paixão pelas atividades agrícolas na selva,
na região de Misiones, na Argentina. Lá ele se dedica ao cultivo da
erva-mate, o ouro negro da época, mas com pouco ou nenhum resultado, embora
revele amplo domínio do assunto. (Na vida real, Quiroga também plantou
algodão e se dedicou a outras atividades rurais. A mudança para a selva foi
a causa de suas desavenças com as esposas, uma vez que elas não se adaptavam
à vida naquele meio). Embora as novelas sejam pura ficção, o autor não se
furta a intercalar páginas a respeito da erva-mate e seu cultivo.
Aspecto
relevante e que merece ser realçado é que Horacio Quiroga escrevia muito
bem. Sua linguagem é límpida e clara, dotada daquela simplicidade procurada
e não a dos simplórios. Expõe as ideias de forma elegante e cativa o leitor
do começo ao fim. É uma pena que esteja tão esquecido. Mereceria melhor
atenção dos leitores brasileiros e latino-americanos em geral.
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e.atha@terra.com.br
(15 de março, 2016)
CooJornal nº 976
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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