Enéas Athanázio
ZÉ LINS ESTÁ DE VOLTA
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A Confraria dos Bibliófilos do Brasil (CBB), com sede em Brasília, acaba
de fazer uma bela e merecida homenagem a José Lins do Rego (1901/1957), um
dos escritores mais lidos de seu tempo e uma figura querida por todos. Isso
aconteceu com a publicação de seu 35º título, o que já constitui uma
pequena biblioteca, lançando nova e esmerada edição do livro infantojuvenil
“Histórias da Velha Totônia”, surgido em primeira edição em 1936. E assim,
graças a esse gesto generoso, Zé Lins voltou ao cenário de nossa literatura
e, o que é melhor ainda, em embalagem de luxo.
O livro é uma obra de
arte. Em tamanho grande, acondicionado em caixa de papelão, sua capa foi
feita à mão pela artesã papeleira Ana Maria Romeiro, usando fibras vegetais
de bananeira e sisal. O miolo foi impresso segundo as melhores técnicas do
gênero por profissionais qualificados e em maquinário indicado. Recebeu
ilustrações especiais, inspiradas no texto, de autoria do artista plástico
Jô Oliveira, detentor de múltiplos prêmios e de invejável currículo. É,
enfim, um livro que faz honra ao autor, como faria a qualquer escritor. Sua
tiragem é limitada e cada exemplar contém o número do respectivo associado
da Confraria.
“Histórias da Velha Totônia” é composto de quatro
contos que se situam na linha do fantástico. Neles, a realidade e a fantasia
se misturam no mesmo plano e tanto o real como o imaginário se conjugam sem
qualquer hiato na narrativa. Segundo o próprio autor, essas histórias foram
inspiradas numa contadeira de casos que conheceu na infância e que muito o
marcou. “O macaco mágico”, “A cobra que era uma princesa”, “O príncipe
pequeno” e “O sargento verde” são as histórias nele contidas. Todas
descrevem reinos imensos, reis poderosos e autoritários, rainhas más, seres
encantados e acontecimentos mágicos e surreais, bem na linha dos remotos
cantadores de feiras e festivais antigos. Mas a linguagem de Zé Lins é
simples sem ser simplória e direta, atraindo a atenção do leitor e capaz de
interessar aos jovens de hoje, mesmo depois de oitenta anos de sua criação.
“A velha Totônia – escreveu Bernardo Buarque de Hollanda – será uma das
figuras mais emblemáticas na transposição das personagens reais para a obra
romanesca de José Lins do Rego. Espécie de narradora itinerante, dona de uma
prodigiosa memória, ela representa um modelo na tradição de contadora de
histórias que desapareceu com o tempo. A importância dessa humilde senhora
no imaginário do menino foi tal que, em 1936, já laureado romancista do
“ciclo da cana-de-açúcar”. José Lins lançou este “Histórias da Velha
Totônia”, que se tornaria um clássico da literatura infantojuvenil.” Os
contadores de histórias, que vagavam de casa em casa, tanto mulheres como
homens, foram muitos. Mas a preferida dele foi mesmo Totônia, analfabeta e
inteligente, cujo carisma fascinava os que a ouviam. No correr dos anos,
senhor da arte da escrita, Zé Lins recriaria os seus casos neste que é seu
único livro no gênero.
Embora tenha vivido pouco, apenas 56 anos, ele
deixou marcas profundas em nossa literatura. É considerado por todos o
romancista do ciclo da cana-de-açúcar, como Monteiro Lobato foi do ciclo do
café, Jorge Amado do ciclo do cacau, Guimarães Rosa do ciclo do gado e o
nosso Guido Wilmar Sassi do ciclo do pinheiro. Assim, a presença dele é
inarredável de nossa história literária.
Em termos culturais, Zé Lins
foi um privilegiado. Conviveu na intimidade de Gilberto Freyre, a figura
maior da sociologia nacional e sofreu sua benéfica influência. Em Alagoas,
conviveu com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge de Lima e Aurélio
Buarque de Hollanda. Fixando-se depois no Rio de Janeiro, foi desde logo
integrado ao meio cultural e literário da antiga capital. Torcedor fanático
do Flamengo, sofria com as derrotas e vibrava com as vitórias de seu time do
coração, cujas turnês pela Europa chegou a acompanhar. Figura simpática e
sorridente, foi inspiração para muitos caricaturistas da época.
Em
minhas idas ao Recife não tive coragem de visitar Gilberto Freyre, embora
tivesse recebido uma carta dele. O “monstro sagrado” de Apipucos balançava a
timidez do escriba interiorano. Anos mais tarde, incentivado pelo saudoso
Mário Souto Maior, eu e minha mulher visitamos a viúva dele, D. Madalena, e
ela nos recebeu com a maior alegria. Afirmou na ocasião que Gilberto sabia a
meu respeito e teria me recebido muito bem. Mas então já era tarde e nunca
pude me defrontar com o Mestre. _____________________________________
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(15 de dezembro, 2015)
CooJornal nº 964
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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