Enéas Athanázio
UMA REVISTA CENTENÁRIA |
|
O generoso amigo Trajano Pereira da Silva, o mais atilado lobatiano do país,
acaba de me oferecer uma preciosidade literária, dessas que os bibliógrafos
e bibliomaníacos disputam a tapas quando topam com algum exemplar nos
alfarrábios ou livrarias. Trata-se de um raro exemplar do número 1 (um) da
“Revista do Brasil”, publicado em janeiro de 1916 e que completará um século
no início do próximo ano. Encadernado, o volume se encontra em perfeitas
condições. Quem conhece um pouco da história de nosso país deve saber da
importância dessa publicação na vida cultural brasileira e o relevante papel
que exerceu.
Propriedade de uma sociedade anônima, a revista tinha
circulação mensal e só publicava trabalhos inéditos. Seus diretores iniciais
foram Luís Pereira Barreto, Júlio Mesquita e Alfredo Pujol, atuando Plínio
Barreto como redator-chefe. Todos homens de grande envergadura intelectual e
de destaque nos meios culturais e jornalísticos, avultando dentre eles o
diretor do “Estadão”, Júlio Mesquita. Os colaboradores, por sua vez, foram
profissionais, escritores, cientistas, professores e artistas de renome. Em
sua biografia de Monteiro Lobato, Edgard Cavalheiro acentua o que significou
na época o lançamento da revista.
A “Revista do Brasil” surgia com a
intenção de preencher um vácuo cultural existente na época e propiciar a
oportunidade de debater temas brasileiros então quase ausentes das
publicações. Vivia o país um período de intensa e exagerada influência
francesa, com nossos escritores tentando imitar o que faziam os franceses.
Como escreveu alguém, comíamos pelo menu francês, vestíamos pelo modelo
gaulês e usávamos o idioma francês com tal exagero que ameaçava transformar
nosso português num patoá ininteligível. Era a macaqueação do francês e
muitos intelectuais se rebelavam contra isso, declarando guerra aos macacos.
Nesse ambiente, a revista propunha lançar um olhar sério e honesto sobre o
país e destacar suas reais qualidades para que, afinal, despontasse a
verdadeira personalidade nacional. Não havia nessa posição qualquer intenção
xenófoba, mas apenas o desejo de defender a nossa nacionalidade. Essas
propostas ficaram claras na apresentação publicada às páginas 1 a 5 desse
número inicial. “O que há por trás do título desta Revista e dos nomes que a
patrocinam é uma coisa simples e imensa: o desejo, a deliberação, a vontade
firme de constituir um núcleo de propaganda nacionalista. Ainda não somos
uma nação que se conheça, que se estime, que se baste, ou, com mais acerto,
somos uma nação que ainda não teve o ânimo de romper sozinha para a frente
numa projeção vigorosa e fulgurante da sua personalidade” (p.2). Esse
prefácio, como se vê, foi escrito em belíssima linguagem e contém bons
momentos de prosa poética. Apesar do empenho da revista e de seus redatores,
no entanto, desconfio que o Brasil até hoje não aprendeu a se estimar diante
do que fazem contra ele tantos brasileiros e da macaqueação americana. Mas
essa é outra história.
Neste número inaugural apareceram trabalhos do
renomado jurista Pedro Lessa sobre reformas constitucionais, Adolfo Pinto
escreve a respeito do centenário da Independência e Luís Pereira Barreto
sobre avanços da cirurgia. O poeta Alberto de Oliveira publica ensaio
abordando a rima e o ritmo, Amadeu Amaral faz o elogio da mediocridade e
Valdomiro Silveira contribui com um conto. O crítico José Veríssimo publica
um capítulo de seu livro sobre o Modernismo, uma fase de nossa literatura,
Victor da Silva Freire revela o longo ensaio “Fatos e Ideias” e a revista se
fecha com a resenha do mês, com notas sintéticas sobre os mais variados
assuntos. Nas últimas páginas são reproduzidas as caricaturas mais
interessantes aparecidas na imprensa naquele mês. Como se vê, é um conteúdo
rico e variado, versando de preferência temas nacionais, ainda que comente
assuntos do exterior.
Em 1918, Monteiro Lobato compraria a revista de
que já era colaborador. Investiu nela o dinheiro recebido com a venda da
Fazenda da Buquira. Ainda com o selo da revista publicou os primeiros livros
e depois a transformou em editora. A “Revista do Brasil”, portanto, está na
gênese da indústria livreira nacional de que Lobato é tido como o verdadeiro
fundador. O papel da publicação foi relevante como órgão de divulgação das
coisas nacionais e como célula inicial da indústria nacional do livro.
_____________________________
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
(01 de outubro, 2015)
CooJornal nº 954
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|