Enéas Athanázio
HOMEM EMBRIGADO DE DEUS |
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No volume “100 Anos
do Contestado – Memória, história e patrimônio”, reunindo os trabalhos de
seminário organizado e promovido pelo Ministério Público Estadual, em agosto
de 2012, encontrei dois ensaios a respeito do monge João Maria, santificado
pelo povo, e que é venerado em grande parte do Estado e até mesmo nos
Estados vizinhos. Trata-se de “João Maria de Agostini: o monge da monarquia
brasileira e das repúblicas americanas”, de autoria de Alexandre Karsburg,
professor da Universidade Federal de Pelotas, e “Encantado no meio do povo.
A presença do profeta São João Maria em Santa Catarina”, de Tânia Welter,
professora da Universidade Federal da Fronteira Sul. Ambos merecem um
comentário.
O primeiro ensaio, fundamentado em pesquisas inéditas,
pretende esboçar, tanto quanto possível, uma biografia do referido monge e
rastrear seus passos nas longas jornadas por ele empreendidas ao longo da
vida. Começa lembrando que muitos indivíduos se apresentaram sob o nome João
Maria, embora a crença popular acredite ter havido apenas um. (Numa pesquisa
a esse respeito, Nilson Thomé concluiu que o imaginário popular unificou o
monge numa só pessoa.) O autor deste ensaio recorda que três foram os monges
que se destacaram no panorama do Planalto, cuja memória ficou perenizada. O
primeiro foi o monge italiano João Maria de Agostini, o segundo, sob
inspiração do primeiro, foi João Maria de Jesus, e o terceiro foi o monge
José Maria de Santo Agostinho, o único que teve atuação na Guerra do
Contestado. Observo que o segundo monge, conforme alguns pesquisadores,
seria o sírio Anastas Marcaf, e o terceiro, o “monge de guerra”, seria
Miguel Lucena de Boaventura, embora pareça que hoje esses dados sejam
considerados duvidosos e, por isso, foram substituídos ou abandonados.
João Maria de Agostini, segundo o ensaísta, era italiano do Piemonte,
nascido por volta de 1800, e chegou ao Brasil em 1844, declarando-se
“solitário eremita.” Percorreu ampla região do país, desde Sorocaba até
Santa Maria. Segundo documentos, foi registrada a sua presença em Sorocaba,
vindo da província do Pará e desembarcando no Rio de Janeiro do navio
“Imperatriz.” Nessa oportunidade o escrivão o descreveu como “Frei João
Maria” e traçou um perfil de sua aparência física, ressaltando ser “aleijado
dos três dedos da mão esquerda.”
Prosseguindo em incansáveis buscas,
descobriu o ensaísta que um eremita de nome Juan Maria de Agostini, nascido
em Piemonte, em 1801. havia peregrinado “por desertos e montanhas do sul dos
Estados Unidos” , tendo antes passado por vários países, como Brasil,
Argentina, Peru, e México. Acabou sendo assassinado em circunstâncias não
conhecidas no Novo México, deixando uma série de pertences. Na Vila de
Melilla, naquele Estado americano, existem uma placa no local onde o monge
faleceu e uma lápide no cemitério em sua memória. Suspeita-se de que tenha
sido vítima de índios selvagens.
João Maria viveu no Brasil durante
cerca de dez anos (1843/1852), inclusive em Santa Catarina, onde sua memória
permaneceu para sempre. Expulso do Rio Grande do Sul, exilou-se na Ilha do
Arvoredo, no litoral de Florianópolis, “Ao buscar solidão na ilha, - escreve
o autor – deparou-se com nova aglomeração, atraindo a atenção de pessoas
como o pároco de Desterro Joaquim Gomes de Oliveira e Paiva.” José Boiteux,
num de seus contos, relata a presença do monge naquela ilha.
João Maria
foi santificado pelo povo e sua memória é venerada até hoje. Suas pregações,
práticas e crenças são conhecidas e transmitidas pelas gerações. É
impressionante a extensão de suas andanças pelas três Américas e o grande
mérito deste ensaio consiste em ter demonstrado, através de pesquisas
inéditas e criativas, que se tratava da mesma pessoa. É um trabalho deveras
revelador sobre o qual esboçamos apenas breves notas, sendo impossível
resumir aqui os inumeráveis detalhes abordados pelo autor.
Quanto ao
segundo ensaio, acima referido, aborda as marcas da presença do monge no
Planalto catarinense. É pena que ao abordar aspectos populares, como as
crenças, rituais religiosos, instalação de cruzes, benzimentos etc. tenha
optado por um linguajar encruado e às vezes pedante que torna a leitura
cansativa. A forma não combina com o conteúdo. Creio também que há exagero
quando afirma que parte do povo considera João Maria uma divindade. Não
chega a tanto. No conjunto, porém, traz contribuições importantes.
Mas, como afirmou Jacques Lacarrière, João Maria foi um homem embriagado de
Deus.
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e.atha@terra.com.br
(15 de setembro, 2015)
CooJornal nº 952
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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