Enéas Athanázio
O PÁTIO DOS MILAGRES |
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Monteiro Lobato sonhava fazer dinheiro na indústria para investir na
literatura e acabou ganhando como escritor para perder nos negócios. Com
esse objetivo, andou sempre às voltas com os mais variados e curiosos
negócios, desde uma rua aérea e uma casa lotérica até um restaurante em Nova
York. Quando Adido Comercial do Brasil naquela cidade abriu lá o “Brazilian
Garden”, situado no começo da Greenwich Street, a duas quadras de Wall
Street. Ficava num rés-do-chão, tinha uma única porta e a fachada toda
envidraçada, conforme a moda da época. Estendia-se numa sala longa, com duas
alas de mesas e cadeiras e um passadiço para as pessoas. Era mais uma
lanchonete, como se diz hoje, onde serviam almoço e lanche – um
“lunch-room,” Além do nome nacionalista, tinha um cardápio bem brasileiro,
composto de picadinho de carne (ou uma postinha de peixe), arroz e, é claro,
o nosso feijão, estes dois últimos obrigatórios. O café com leite era
servido de graça e o freguês podia repetir à vontade.
No começo o
negócio ia bem, dando lucros animadores – segundo o próprio Lobato. Aos
poucos, porém, “os brasileiros que lá faziam ponto anarquizaram a casa com
jogatina de pôquer e ruidosas farras à noite”. Como se não bastasse, o
“crash” da Bolsa, em 1929, deixou incontáveis brasileiros e
latino-americanos em geral no desemprego. Essa enorme fauna faminta passou a
freqüentar o restaurante e “ali encontrava a generosidade que lhes garantia
o almoço e o jantar em troca de um vale de resgate dúbio. Por muitos meses
ainda Lobato manteve o seu “Brazilian Garden”, já então conhecido como
“Pátio dos Milagres”, para nele abrigar e alimentar diversos compatriotas
surpreendidos pela avassaladora crise de empregos.” O restaurante entrou a
dar prejuízo e o proprietário, também desempregado, teve que fechar as
portas, mas a casa ficou na memória de quantos a conheceram como o
derradeiro recurso para matar a fome em país estranho e que vivia terrível
crise.
Arthur Coelho e Francisco Silva Júnior, ambos amigos de
Lobato, conheceram o “Pátio dos Milagres” e escreveram sobre ele,
assinalando a falta que fez aos brasileiros que se encontravam em situação
precária. Foram minhas fontes para estas notas, relembrando mais uma
pitoresca iniciativa do criador de Narizinho. Com o mesmo título Lobato
escreveu um artigo, recolhido às suas Obras Completas, que é uma crítica
ferina à falta de assistência aos mendigos que infestam nossas ruas, vivendo
da caridade pública, sem que nunca se procure uma solução digna e correta
para eles.
Escrevi, em crônica anterior, sobre o senhor Mazzei, pai
de Deise Mazzei, que ficou sem emprego e dinheiro nos Estados Unidos,
gastando suas horas numa praça, onde foi visto por Monteiro Lobato. Depois
de se inteirar da situação dele, o escritor lhe deu o dinheiro para a
passagem de retorno ao Brasil. Além disso, - imagino cá com meus botões, -
Mazzei deve ter frequentado o “Pátio dos Milagres”, onde, como tantos
brasileiros e latino-americanos em situação difícil, saciou a fome com a
comida bem brasileira, saboreando o picadinho de carne com arroz e feijão
que outro desempregado lhes fornecia, gastando com isso suas parcas
economias.
A leitura de biografias e memórias é uma forma de aprender com a
experiência alheia. Embora pouco valorizado no passado, o gênero tem hoje
incontáveis leitores em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde muitas
dessas obras alcançam grande público e vendem em quantidade. Quanto a mim,
sempre fui leitor de livros do gênero, alguns fascinantes, a exemplo de “Os
Melhores Tempos”, de John dos Passos, e “O Romance de uma Vida”, de Carlos
Baker, reconstituindo a tumultuada existência de Ernest Hemingway, e que
acabo de reler com intenso prazer. Tanto Hemingway como Dos Passos, por
coincidência, pertenceram à chamada “geração perdida”, constituída pelos
americanos autoexpatriados em Paris no início do século passado. Mas essa é
outra história.
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e.atha@terra.com.br
(01 de junho, 2015)
CooJornal nº 938
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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