Enéas Athanázio
O TREM DA VIDA |
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A leitura de biografias e memórias é uma forma de aprender com a
experiência alheia. Embora pouco valorizado no passado, o gênero tem hoje
incontáveis leitores em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde muitas
dessas obras alcançam grande público e vendem em quantidade. Quanto a mim,
sempre fui leitor de livros do gênero, alguns fascinantes, a exemplo de “Os
Melhores Tempos”, de John dos Passos, e “O Romance de uma Vida”, de Carlos
Baker, reconstituindo a tumultuada existência de Ernest Hemingway, e que
acabo de reler com intenso prazer. Tanto Hemingway como Dos Passos, por
coincidência, pertenceram à chamada “geração perdida”, constituída pelos
americanos autoexpatriados em Paris no início do século passado. Mas essa é
outra história.
Quero aqui me ater ao livro “E depois, o trem”, de autoria de José
Ribamar Garcia, que me foi oferecido pelo autor e que li com atenção
(Litteris Editora – Rio – 2015). Trata-se de um livro de memórias, embora
sem a preocupação cronológica ou sistemática, mas constituído por anotações,
mais longas e mais curtas, para registrar a vida – como dizia Agatha
Christie. Em linguagem simples e direta, sem floreios desnecessários, o
autor consegue prender a atenção do leitor do início ao fim. Não existe a
narração de acontecimentos extraordinários ou fora do comum, mas ele
conseguiu rechear seus dias, horas e minutos de vida, prestando atenção
naquilo que acontecia, observando com interesse e procurando compreender as
ações e reações das pessoas com as quais tem convivido.
Sua história de vida é recheada de dificuldades, algumas parecendo
insuperáveis. Ainda garoto, desloca-se do Nordeste para o Rio de Janeiro em
busca de uma oportunidade. Sem recursos, sobrevivendo a duras penas de
pequenas ocupações provisórias, submete-se às mais duras provas. Anda a pé
porque não tem recursos para pagar condução, alimenta-se no célebre
Calabouço, reduto de estudantes, dorme mal, em autênticos cubículos. Nos
dias chuvosos, sem guarda-chuva ou galochas, forra os sapatos com pedaços de
jornais. Mas não perde a esperança e vai bracejando como pode, convicto de
que a vitória virá. E ela chega com o tempo e o trabalho, devagar e
silenciosa, como costuma ser o verdadeiro sucesso. Estuda, bacharela-se em
Direito e se torna advogado de renome, com grande clientela e destaque
profissional. Ocupa posições de relevo na OAB e associações de classe,
escreve para publicações jurídicas e, mais tarde, lança-se como escritor. É
feito membro da Academia de Letras de seu Estado natal.
É possível que sua história de vida seja semelhante às de muitos, mas o
que chama a atenção é que, apesar de tudo, ele não se tornou um revoltado,
um rabugento, não perdeu o humor e não se fechou para a vida. Nada de
queixumes, resmungos e reclamações. Pelo contrário, revela justificado
orgulho de suas suadas conquistas. Nunca rompeu os liames com o chão natal e
mantém viva a veneração pelos pais que tanto lutaram para criar a prole.
Desde muito cedo se viu vocacionado para a advocacia e já nos dias
acadêmicos impetrava habeas corpus em favor de colegas perseguidos pelo DOPS
da ditadura. “A advocacia me deu mais do que eu almejava – material e
espiritualmente” – escreveu ele. Não se furta a abordar alguns aspectos da
profissão e do Direito, como o chamado Movimento Alternativo, que parece
caído no esquecimento, e a crise do Judiciário, objeto de um livro de sua
autoria. Não poupa críticas a certos políticos aproveitadores e a
empresários que vivem reclamando mas não largam as tetas do BNDS. Toma
posições corajosas, ainda que nem sempre eu concorde com elas, em face de
diversos problemas nacionais. Mantém uma conduta altiva e independente
perante as autoridades, com convém ao verdadeiro profissional da advocacia.
“Diz o mineiro que há um trem que passa pela nossa porta uma vez na vida
– e, às vezes, nem passa. Por isso deve-se estar, permanentemente, atento
para pegá-lo” – afirmou. A vida mostrou que ele esteve atento e, ouvindo seu
coração, embarcou no trem a tempo e a hora. O livro de José Ribamar
Garcia é um belo exemplo da vida e merece a melhor das atenções.
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(15 de maio, 2015)
CooJornal nº 936
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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