Enéas Athanázio
EÇA NA CABEÇA E OEIRAS NO CORAÇÃO
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Dagoberto Carvalho Júnior é, sem favor, um dos maiores conhecedores da
obra e da vida de Eça de Queiroz ou, como ele, prefere, do inigualável
romancista português e sua circunstância. Autor de vários livros a respeito do
escritor, além de conferências, no Brasil e em Portugal, prefácios, ensaios e
incontáveis artigos, publicou mais uma obra sob o título de “Eça de Queiroz e
Machado de Assis – O realismo de cada um” (Editorial Tormes – Recife – 2009).
Nele o incansável pesquisador reuniu conferências, discursos, prefácios e
artigos abordando, em sua maioria, o “pobre homem de Póvoa do Varzim”, objeto
de suas permanentes preocupações de especialista, esse ser bastante rarefeito
entre nós, buscando desvendar as minúcias e os motivos que o levaram a
produzir uma obra de tal magnitude e que exerceu imensa influência, tanto aqui
como em Portugal. Nascido na Oeiras brasileira, embora recifensizado,
Dagoberto Carvalho Júnior parece unir dentro de si ambas as cidades de Oeiras,
a lusa e a nossa, sempre tão presentes em suas lembranças e escritos. Daí ter
alguém afirmado, com justa razão, que ele vive com Eça na cabeça e Oeiras no
coração.
Muito haveria que falar sobre o novo livro mas prefiro me ater ao
admirável ensaio que lhe deu título. Lembra ele, logo de início, um fato
deveras curioso e em geral desconhecido: Eça entrou no Brasil através da
pequena cidade de Goiana, no interior de Pernambuco, em 1872. Foi lá que
chegou a revista “As Farpas”, crônica mensal da política, das letras e dos
costumes, editada por Eça e Ramalho Ortigão, em cujas páginas eram formuladas
críticas ao Imperador brasileiro, então em viagem pela Europa. Essas críticas
repercutiram na pequena cidade, que vivia um momento de efervescência
cultural, e foram transcritas em jornal republicano local. Nessa época a
chamada Escola do Recife, movimento de cunho cultural e jurídico, liderada
pelo grande Tobias Barreto, agitava a intelectualidade nacional. E assim teve
início a difusão da obra de Eça pelo Brasil, onde encontrou incontáveis
admiradores. Em consequência, Recife se tornou a mais eciana das cidades
brasileiras.
Tópico dos mais interessantes, abordado pelo ensaísta, é a
quantidade admirável de vocábulos e expressos introduzidos por Eça na língua
portuguesa, hoje comuns na linguagem corrente. Entre muitos outros, com base
na palavra insuspeita dos pesquisadores, aponta: faiscação, badalação,
verborréia, insinuância, obtusidade, rigideza, degringolar, cuspilhar,
embasbacar, burocratizar, pacientar, politicote, excessozinho, mesmice,
padraria, gordalhufo, bigodoso, conselheiral, venha de lá esse abraço, de
arromba, sossega leão etc. etc., muitos deles já dicionarizados. Eça estava
consciente de sua contribuição – afirma o ensaísta. A influência de Eça
sobre autores brasileiros foi intensa e o autor examina diversos casos. Nenhum
intelectual surgido após o início do Século XX ficou imune a essa influência,
segundo os intérpretes da cultura nacional.
Eça e Machado foram realistas,
cada qual a seu modo, tendo a escola sido introduzida pelo primeiro em
Portugal e, por consequência, no Brasil. Eles “travaram um diálogo em que se
opunham dois temperamentos, duas concepções da vida e da arte... Claro,
plástico, expansivo, o talento de Eça se derrama a mancheias pelos grandes
painéis que são seus livros... Já os livros do nosso Machado, tecidos de
sutilezas e minúcias, mais ricos de sugestões que de descrições, requerem
iniciações para serem completamente apreciados” – escreve Carvalho Jr. (p.
25). E após outras análises sobre o realismo de cada um, arremata: “Bendito
realismo que os fez grandes para glória maior das literaturas de língua
portuguesa” (p. 30).
Fazendo minhas tão justas palavras, encerro estas
notas registrando minha admiração pelo trabalho de Dagoberto Carvalho Jr. Sei
de experiência própria o quanto é árdua e trabalhosa a elaboração de ensaios e
o quanto de dedicação, pesquisa e pensamento ela exige.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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