Enéas Athanázio
O PINTOR DOS MARGINALIZADOS
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Nascido em Vilna, na Lituânia, então sob o
domínio da Rússia czarista, Lasar Segall (1891/1957) foi o verdadeiro
precursor do Modernismo brasileiro, muito antes de Anita Malfatti (1917) e
da Semana de Arte Moderna (1922). Em 1913, visitando nosso país, realizou
exposições de suas obras em São Paulo e Campinas, embora a repercussão fosse
reduzida porque o meio cultural ainda não estava maduro o suficiente para
avaliar o expressionismo do talentoso pintor. O crítico campineiro Abílio
Álvaro Miller foi dos poucos a perceber e proclamar a qualidade da obra de
Segall, classificando-o como “pintor de almas.” Nem sempre essas exposições
pioneiras e as palavras do crítico têm sido lembradas, embora constituam
fatos relevantes na história da cultura nacional e na biografia desse pintor
que é aclamado como um dos mais importantes de todo o mundo.
Como
antigo frequentador do Museu Lasar Segall, em São Paulo, e admirador de sua
obra, lanço estas notas para comentar o volume dedicado a ele pela coleção
“Grandes pintores brasileiros” que o jornal “Folha de S. Paulo” publicou
(Volume 6). Com texto de Verônica Stigger, o álbum contém cronologia,
biografia e galeria das obras do pintor, cada uma delas com apreciação
crítica, além de notas explicativas e bibliografia. As reproduções das
obras, algumas com detalhes, são perfeitas e impressionam pela qualidade. A
publicação é uma bela homenagem a esse artista que adotou o Brasil,
naturalizou-se brasileiro e aqui viveu boa parte da vida, participando de
maneira ativa da vida cultural de nosso país. O museu está instalado na casa
onde ele viveu e abriga também a biblioteca Jenny Klabin Segall, nome de sua
esposa, especializada em artes plásticas.
Segall foi um expatriado,
um desterrado precoce, um homem que perdeu o chão sob os pés, condição que o
marcou pela vida toda e se refletiu em sua obra. Estudou em Berlim e
Dresden, onde foi expulso da Academia de Belas Artes por ser cidadão russo e
judeu. Depois de mudanças e andanças por uma Europa conturbada, muda-se para
o Brasil, em 1923, passando a integrar o grupo modernista local. Faz a
decoração do Pavilhão de Arte Moderna de D. Olívia Guedes Penteado,
conhecida protetora de artistas e escritores. Foi um dos fundadores da
Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), da qual acabou se desligando mais tarde.
Mesmo entre nós, foi vítima de preconceito por sua origem judaica, fato que
muito o constrangeu. Nesse longo período, no entanto, jamais deixou de
produzir e expor suas obras em mostras individuais ou coletivas realizadas
em vários pontos do país. Produziu imenso conjunto de pinturas, gravuras,
desenhos e esculturas.
A condição de desterrado, sem pátria e sem casa, fez de Segall um
artista sensível à condição dos marginalizados da qual ele próprio parecia
se sentir integrante. Volveu o olhar compadecido para os escravos, os
negros, os miseráveis, os mendigos, os caminhantes, as prostitutas e os
emigrantes. Sobre estes concebeu uma de suas monumentais obras – “Navio de
Emigrantes.” Produzido entre 1939 e 1941, retrata em mais de uma centena de
figurantes toda a tristeza e o desespero dos que são forçados a arrancar
suas raízes, renegar o passado e se lançar na aventura de uma terra
estranha. É a maior de suas telas e cada uma das figuras é retratada de
maneira minuciosa para realçar a reação individual diante da situação. Como
ele próprio dizia, mais que o êxodo forçado dos judeus, o quadro reflete a
condição de todos que se vêem obrigados a abandonar o chão natal. Também a
monstruosidade dos “pogroms” (em russo, devastação) mereceu sua atenção em
impressionante tela.
No Brasil, porém, Segall reencontrou a alegria
de viver e descobriu a cor e a luminosidade solar. Suas obras desse período
são coloridas, vivas, vibrantes. Ele havia se tornado brasileiro.
(Sobre Segall escrevi um ensaio que está em meu
livro “O Perto e o Longe”, Vol. II, 1991, pag. 57).
(1º de fevereiro, 2015)
CooJornal nº 922
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
Mensagens sobre o texto podem ser enviadas ao autor, no email e.atha@terra.com.br
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