Enéas Athanázio
A USURA E O CASTIGO
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É provável que não seja a mais famosa das obras de Ariano
Suassuna, mas “O Santo e a Porca” já se encontra na 23ª. edição e tem feito
enorme sucesso quando encenada (José Olympio Editora – Rio – 2010). É uma peça
teatral em três atos que integra o gênero cômico no qual o escritor paraibano
vem obtendo tanto êxito ao longo dos anos. Com apenas sete personagens e
diálogos em geral concisos, Suassuna desenvolve uma história que mantém o leitor
em permanente suspense, ansioso para descobrir como aquilo tudo terminará. O
cenário também é resumido, não passando, na verdade, de uma única sala. A peça
foi montada pela primeira vez no Teatro Dulcina, no Rio, em 1958, sob a direção
do grande Ziembinski, que também atuou, e tendo no elenco Cacilda Becker. Foi um
batismo de luxo.
Em virtude de divergências políticas às vésperas da Revolução de 1930, o pai de
Suassuna foi assassinado, o que obrigou sua mãe, por questão de segurança, a
mudar-se com os filhos para o alto sertão da Paraíba. E lá o futuro escritor
conviveu com a realidade sertaneja, seu modo de vida, linguagem e valores,
formando aquilo que ele chamaria o “mundo mítico” que desaguaria em obras de
tanto apelo público e aclamação crítica. “Não só as histórias e casos narrados e
cantados em prosa e verso foram aproveitados como suporte na plasmação de suas
peças, poemas e romances. Também as próprias formas da narrativa oral e da
poesia sertaneja foram assimiladas e reelaboradas por ele” – escreveu com
precisão o crítico José Laurenio de Melo. Formado em Direito e Filosofia,
Suassuna se integrou ao movimento cultural e aprimorou sua arte, escrevendo,
experimentando e estudando. Embora pintando o ambiente sertanejo, jamais perdeu
de vista os clássicos portugueses e espanhóis com os quais se familiarizou. Lope
de Vega, Calderón de la Barca e Gil Vicente muito o influenciaram.
Na peça aqui comentada, a impressão inicial é de uma imensa confusão. Na
verdade, porém, tudo não passa de minuciosa armação para obter, ao mesmo tempo,
diversas vantagens para quase todos os personagens, exceto para Euricão Arábe ou
Engole-Cobra, merecidamente punido por sua usura. No correr dos diálogos o autor
estabelece uma teia de mal entendidos, meias palavras e interpretações
equivocadas que parecem resultar numa trapalhada insolúvel. Mas, na verdade, não
é isso que acontece e no final tudo se encaixa com perfeição nos respectivos
lugares. A personagem Caroba é a grande artífice desse monumental imbróglio.
Tudo é sempre revestido do melhor humor e a confusão entre as porcas (assada e
cofre) perdura ao longo de toda a peça. Todo o texto revela a extraordinária
imaginação do autor e sua aguda percepção psicológica .
Em curiosa introdução ao texto, Suassuna comenta, intrigado, as apreciações dos
leitores/espectadores. Julga “misterioso, terrível e perturbador” que a mesma
obra, às vezes, seja aceita pelo público e rejeitada pela crítica ou, ao
contrário, aclamada por esta e desprezada por aquele. “Às vezes ambos se juntam,
a favor ou contra. Às vezes, depois de um julgamento que parecia definitivo,
ambos se arrependem. Na maioria dos casos, porém, tanto o público como a crítica
se dividem” – considera ele, julgando tudo isso incompreensível, impenetrável. É
que a obra literária, independente da vontade de seu autor, ganha vida própria e
passa a cumprir seu próprio destino. Passa a integrar o universo de inúmeros
leitores/espectadores, contando com a simpatia ou a antipatia de cada um. Por
tudo isso, já advertia célebre pensador, escrever para o público é comprometedor
ao extremo.
(06 de
dezembro/2013)
CooJornal nº 869
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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