18/10/2013
Ano 17 - Número 862
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
UMA HISTÓRIA MUITO CURTA
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Seriam 14h quando entramos na pequena
cidade. Dia cinzento, céu enfarruscado, horizontes estreitos, embora não
chovesse. Fazia um friozinho leve, suportável. E foi num domingo.
Logo de chegada o silêncio reinante nos impressionou à medida que percorríamos
uma das ruas retas e largas. Não se avistava um transeunte, uma criança
brincando, e nem mesmo os costumeiros cachorros vadios que perambulam em todas
as cidades do mundo. Fomos avançando devagar e observando. Percorremos ruas e
avenidas do centro e não avistamos ninguém, nem uma só pessoa. O comércio
fechado, as casas fechadas.
Tudo quieto, vazio, parado.
Onde se esconderia o povo? Onde estariam as pessoas?
Incrédulos, decidimos ir até a praça central. É costume nas cidades do
interior fazer da praça o ponto de encontro. Lá os moradores se reencontram,
conversam, trocam informações e até namoram. Não tardamos a localizar o enorme
jardim retangular, percorrendo-o nos quatro lados. Muitas árvores folhudas,
canteiros de flores, arbustos decorativos e bancos confortáveis espalhados.
Mas nem uma pessoa, nem uma só para contar das outras! Olhamos com olhos de
ver, esquadrinhamos, espraiamos a vista. Nada.
Inacreditável!
Uma cidade vazia, oca, desabitada.
Haveria talvez algum problema sério que espantava os moradores das ruas,
alguma ameaça terrível ou uma epidemia que provocava medo? Foram algumas das
muitas perguntas que nos fizemos. Tudo, no entanto, indicava que não existia
nada disso. As coisas revelavam um aspecto de normalidade.
A matriz! – excogitei num repente. Hoje é domingo, algum crente – pelo menos
um! – há de estar orando. Esperançosos, partimos em busca do templo e logo o
encontramos. Enorme, pintado de um amarelo fosco, a torre única espetando o
céu cor-de-cinza. Como tudo o mais, porém, tinha as portas cerradas e estava
imerso no mais compacto silêncio.
Decidimos, então, ir ao cemitério para reverenciar parentes e amigos que
passaram para o outro lado do mistério – como dizia mestre Machado de Assis;
Com certeza haveria algumas pessoas que aproveitavam o domingo para visitar os
seus mortos e assim falaríamos com elas. Dois coelhos numa só cajadada, como
se diz.
O campo santo tinha o portão aberto, aliás, foi a única entrada aberta que
encontramos. Contrariando expectativas, porém, não havia viva alma, exceto
talvez alguns fantasmas benignos que não nos incomodaram. Entramos num mundo
lúgubre e deserto. O céu cinzento parecia mais baixo e pesado, algo sufocante.
Pensamos em comprar velas e flores mas a ideia foi descartada. Comprar onde,
com tudo fechado?
Depois da visita, retornamos ao carro e às ruas. Num estalo me lembrei do bar,
do café. Ele costuma ser ponto de reunião, além de usina de fofocas em torno
de mesinhas onde é servido cafezinho quase sempre requentado. Logo o
localizamos numa esquina, entre um banco e um posto de combustível. “Bar e
Café do Arno”, lemos numa placa desbotada. E foi aí que nossa derradeira
esperança se desvaneceu: não só estava fechado como a porta era guarnecida por
robusta grade de ferro.
Nada restava a fazer. Subimos ao ponto mais alto da cidade e ficamos
observando o centro urbano por um bom tempo. E tudo continuou quieto, fechado,
silencioso.
Para os lados da saída, assim de repente, explodiu no ar um rojão.
Comemorava-se alguma coisa em algum lugar. Tratava-se de um sinal animador,
anunciando que para aquelas bandas havia gente.
Deixando os limites urbanos, concluímos que aquela viagem só poderia, quando
muito, inspirar uma história muito curta.
(18 de outubro/2013)
CooJornal nº 862
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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