09/08/2013
Ano 16 - Número 852

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



ESPIÕES ESPIADOS
 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Com a vitória da Revolução em Cuba, em 1959, grande quantidade de cubanos, adversários do movimento, se exilaram em Miami, do outro lado do Golfo da Flórida, distante apenas cerca de 160 quilômetros. Entre tais exilados havia aqueles que se opunham ao novo regime cubano de maneira radical, os chamados “anticastristas verticales”, exercendo uma oposição constante e em todas as frentes. Com o correr do tempo, essa oposição descambou para o terrorismo puro e simples, através de mercenários centro-americanos contratados para esse fim. Entrando em Cuba como clandestinos, com nomes e documentos falsos, esses mercenários promoviam explosões em hotéis, metralhavam locais frequentados por turistas, sobrevoavam com pequenos aviões o espaço aéreo cubano, lançando panfletos de propaganda e praticavam outras operações desse tipo. O objetivo era prejudicar o turismo em Cuba, uma das mais importantes fontes de recursos do minguado orçamento da Ilha. Diante disso, o governo cubano resolveu criar a chamada “Rede Vespa”, infiltrando agentes secretos nos meios cubanos de Miami para tentar descobrir e evitar os atentados planejados contra o país. Pouco experientes, porém, esses agentes não sabiam que estavam sendo monitorados, desde o início, pelo FBI, ou seja, passaram a ser espiões espiados. E o desfecho, como seria de esperar, foi trágico, tanto para os agentes como para os mercenários, exceto para os “grandões” que – como sempre – saíram ilesos dos episódios.

Esse é, em largos traços, o tema de curioso livro de Fernando Morais “Os últimos soldados da guerra fria” (Cia. das Letras – S. Paulo – 2011), que tem sabor de romance, ainda que calcado em extensas e minuciosas pesquisas, fechando-se com a condenação dos agentes e dos terroristas de aluguel a pesadas penas que alguns ainda estão cumprindo. É impressionante a quantidade de detalhes obtidos pelo autor e a clareza com que são expostos, parecendo até, em alguns casos, um perigoso roteiro para a prática terrorista, fornecendo informações detalhadas do “modus operandi” que foi empregado em várias ações. Mas como tudo está esmiuçado nos processos, o autor nada mais fez que repetir em seu livro. São inúmeras também as fotografias de pessoas envolvidas e de locais relacionados aos fatos.

Os agentes cubanos saíam do país como desertores, para afastar suspeitas, em segredo guardado até das próprias famílias. Em Miami tinham que lutar pela sobrevivência, exercendo mesmo atividades braçais, uma vez que a ajuda de Cuba era mínima. Nada da ostentação de um James Bond ou dos sofisticados Sherlock Holmes ou Hércule Poirot. Alguns chegaram mesmo a casar com compatriotas exiladas para melhor esconder a verdadeira atividade. E assim, pouco a pouco, ganhavam a confiança da comunidade exilada, descobrindo com antecedência planos terroristas, evitando dessa forma que muitos fossem realizados. Apesar das constantes reclamações de Cuba, inclusive através da ONU, o governo americano fechava os olhos e não tomava qualquer medida contra o que acontecia no seu território. O julgamento dos agentes, conforme se esperava, não passou de pura encenação, sendo negado até mesmo o desaforamento do caso para outra comarca, uma vez que a opinião pública em Miami era sabidamente hostil aos acusados. A denegação implicava na prévia condenação, por unanimidade, como de fato aconteceu.

Por outro lado, é incrível o sangue-frio com que agiam tanto os agentes infiltrados quanto os mercenários. Estes, conduzindo poderosos explosivos nas vestes e nas bagagens, enfrentavam impassíveis uma vigilância feroz, ingressavam no país e realizavam as explosões da forma planejada, até que foram presos. O mais ostensivo aliciador de mercenários, um salvadorenho, pagou caro pela audácia de tentar ingressar na Venezuela com propósitos homicidas. Foi aprisionado e extraditado para Cuba, onde foi condenado a trinta anos de reclusão. Uma extradição muito controversa porque se tratava de um estrangeiro em país também estrangeiro. Segundo o autor, cumpre a longa pena em Havana e, ao que parece, conformado.

Como tantas outras obras de Fernando Morais, o livro figurou entre os mais vendidos no gênero não-ficção e, a par dos fatos centrais, faz as mais interessantes revelações.


(09 de agosto/2013)
CooJornal nº 852



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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