21/06/2013
Ano 16 - Número 845
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
OS 100 ANOS DO URSO
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Aquele amigo que implicava com a celebração de centenários com certeza se
irritaria comigo por comentar mais um. Mas não sou culpado de que tanta gente
tenha nascido em 1913, como aconteceu, entre outros, com Rubem Braga,
considerado por muitos o maior cronista brasileiro de todos os tempos, cujo
centenário se comemora neste ano. Nascido em Cachoeiro do Itapemirim (ES), a
12 de janeiro, fixou-se no Rio de Janeiro, onde produziu a maior parte de sua
obra, até falecer em 1990. O Velho Braga, como o chamavam, padecia de uma
casmurrice aguda, o que lhe valeu a alcunha de Urso, ainda que se diga que
isso não passava de lenda. Foi correspondente de imprensa em Paris e durante a
II Guerra Mundial, com Joel Silveira e Antônio Callado. Casou com Zora Seljan,
de quem se separou, e com a qual teve seu único filho, Roberto Braga. Morava
em Copacabana e sua cobertura foi motivo de muitas crônicas e comentários em
jornais.
Segundo a crítica, Rubem Braga elevou a crônica a patamares nunca alcançados,
nem mesmo por clássicos como Machado de Assis e Humberto de Campos. Num país
cujo documento inicial, a carta de Pero Vaz de Caminha, já constituía uma
autêntica crônica, o Velho Braga foi um inovador pioneiro. Como afirmou o
crítico Antonio Candido, sua “crônica operou milagres de simplificação e
naturalidade.” Sempre com as antenas ligadas, captando no cotidiano os temas
cronicáveis, qualquer fato, por mínimo que fosse, se transformava em suas mãos
em obra de arte, de leitura leve e prazerosa. Ocorre-me, por exemplo, a
lembrança das crônicas que escreveu a respeito da borboleta amarela que
avistou e cujo voo acompanhou no centro da cidade. E assim, calcula-se que
escreveu cerca de 15 mil crônicas ao longo da vida, numerosas delas publicadas
em livros.
Entre seus mais conhecidos livros destacam-se “Ai de ti, Copacabana!” (1960),
“A traição das elegantes” (1967), “Histórias do homem rouco” (1984) e “O verão
e as mulheres” (1990), destacando-se também “Crônicas de guerra” (1964), onde
registrou a experiência chocante dos combates observados in loco.
Obtiveram muito sucesso pelo menos três antologias de suas crônicas e contos
escolhidos. Mas foi nas páginas dos jornais e das revistas, seu lugar
tradicional, que as crônicas de Braga encantaram gerações de leitores. É ali
que a crônica preserva o frescor e a graça típicos do gênero.
Muitas de suas frases permaneceram na memória de amigos e jornalistas, sendo
sempre repetidas e muitas vezes sem citação da fonte. Num desabafo, ele
afirmou numa entrevista: “Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas
tocam piano de ouvido.” Mais algumas: “Há mulheres tão lindas e estranhas que
só acontecem pela madrugada em um grande aeroporto internacional.” (Estaria se
recordando daquelas inacreditáveis aeromoças antigas, chegando para as longas
viagens ao exterior?). “Fazer política é namorar homem”, “Não sou comunista
nem cristão, mas apenas um homem distraído e medíocre” – escreveu. Por fim,
uma inegável constatação: “Ultimamente têm passado muitos anos...” Tantas
foram suas tiradas que, como disse o cronista Xico Sá, “até quem não sabe é
influenciado pelo Braga.” Capítulo à parte, misto de fato e lenda, foi a
preparação por ele mesmo de sua própria cremação, segundo relatos de amigos.
Com a maior calma, sem pressa ou ansiedade, ele teria tratado de tudo como se
fosse para outra pessoa. “Ainda não há data fixada, de maneira que não há
pressa” – teria dito ao agente funerário.
Em Paris conheceu Picasso, figura que muito admirava e cujo retrato pintou em
texto magistral, além de outros expoentes da cultura universal. Com alguns
amigos, entre os quais Otto Lara Resende e Fernando Sabino, criou a “Editora
Sabiá”, responsável pelo lançamento entre nós de grandes nomes da literatura,
como Gabriel García Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges. Como observou
alguém, Braga foi antes de tudo um observador da vida. Ou, como diria Gilberto
Amado, soube prestar atenção à vida, condição básica para o ofício de
escrever.
Entre as numerosas matérias publicadas a respeito de Rubem Braga, merece
atenção a reportagem da revista “Agitação”, publicação do Centro Integrado
Empresa Escola (CIEE), S. Paulo, número 109, p. 56, contendo importantes
informações que me foram muito úteis.
(21 de junho/2013)
CooJornal nº 845
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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