Logo que cheguei em Balneário Camboriú aconteceu um encontro de escritores
promovido pelo Colégio Margirus. Vieram colegas de ofício de Florianópolis,
Joinville, Blumenau, Jaraguá do Sul e Itajaí, entre eles o crítico Celestino
Sachet, o romancista Adolfo Boos Jr. e o poeta Lindolf Bell. Iniciando o evento,
- não sei o motivo, - fui escolhido para falar em nome da cidade, saudando os
visitantes. No final, depois de tudo encerrado, fui entrevistado por uma
jornalista ativa e hábil. Tratava-se de uma galega com ar esportivo e cabelos
esvoaçantes, segura nas perguntas e ligeira de raciocínio.
Dias depois, fui visitado por uma senhora argentina, muito simpática, que
angariava assinaturas para o jornal “Página 3.” Ela me confidenciou então que a
galega em questão era nada mais nada menos que a dona do jornal – Marlise. A
informação acendeu uma luzinha na minha cabeça: Quem sabe ela aceitaria alguma
colaboração minha? Pelo sim pelo não, armei a cara, apanhei alguns originais de
contos, crônicas e artigos e fui à redação. Na pior das hipóteses levaria um
carão. Mas isso não aconteceu, ela me recebeu muito bem e meus trabalhos
começaram a aparecer nas páginas do jornal.
Numa das visitas à redação, no entanto, algo de novo aconteceu. Sentado num
canto, diante de um computador, avistei alguém que eu desconhecia. Barbudo e
cabeludo, ele me pareceu hirsuto, cerdoso, peludo, com as faces e a cabeça
aureoladas por bastos fios que indicavam ser renitentes à brilhantina, ao gumex
e à glostora (*), quiçá impenetráveis até mesmo ao pente e à escova. Por
associação, veio-me à memória o panorama da caatinga nordestina com seus
mandacarus, xique-xiques, palmas e juás espinhentos. Eu o observei, ressabiado e
de longe, enquanto dois olhos muito vivos me fuzilavam através daquela floresta
capilosa e densa.
Não tive coragem e perguntar de quem se tratava.
Voltando para casa, caminhando em silêncio pela urbe, fui trocando ideias com
meus inocentes botões. Seria o enigmático personagem um sujeito casmurro, mal
humorado, ou lá estaria para afugentar os chatos que costumam perturbar a boa
paz das redações? Ruminei, ruminei, aventei outras tantas hipóteses. Poderia ser
adepto das amarguras do tipo jiló, berinjela crua ou chá de aloés... Apreciador
de pratos apimentados, ardidos ou azedos, talvez. Tudo parecia possível, mas não
cheguei a conclusão alguma.
Nas visitas seguintes, mais ressabiado ainda, já entrei olhando para o canto
onde se entrincheirava o barbaças. Para minha surpresa, no entanto, ele se
apresentou como o outro dono do jornal e conversamos bastante; Não tardou muito
para que me convidassem a assinar uma coluna, coisa que estou fazendo há 17
anos. Do meio daquela chusma inóspita de pelos rebeldes saía uma voz ainda jovem
que revelava uma pessoa bem informada e boa de papo. Nem preciso dizer que se
tratava de Waldemar, esse jornalista valente e combativo que todos conhecem e
cujo nome mais e mais se alastra. Desde então ele já vinha colocando o dedo na
moleira para desconforto de alguns e satisfação de muitos.
No correr de quase duas décadas, a pelagem se tornou algo grisalha, as cãs
branquearam as costeletas, os cabelos hirsutos rarearam, ainda que prossigam na
velha e indomável rebeldia. Tornamo-nos amigos, embora sem a convivência que
seria desejável, e aprendi a respeitá-lo como o profissional que é. No entanto,
mesmo que eu não seja dos melhores inimigos, não gostaria, de forma alguma, de
tê-lo entre meus desafetos!
(*) Antigos produtos para assentar cabelos rebeldes.
Nota: Marlise e Waldemar Cezar, jornalistas, são os proprietários
do “Página 3”, o mais lido e influente jornal do Litoral Norte catarinense.
(10 de maio/2013)
CooJornal nº 839
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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