03/05/2013
Ano 16 - Número 838
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
AROEIRAS |
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Tenho um leitor aficionado (pelo menos um!) que vale por muitos. Ele acompanha
tudo que publico e faço com um interesse que muitas vezes me surpreende. Lê e
relê meus escritos, investiga a existência de fatos e lugares, nomes e gênese de
personagens, possíveis aspectos biográficos e assim por diante. Como tenho um
personagem chamado Janary, ele rebuscou nos alfarrábios a origem do nome e
concluiu que janary é uma planta, enviando-me depois cópias das pesquisas com a
foto de um belo... janary. Também invocou com meus personagens Nabor e Natan,
concluindo, depois de acurados estudos, que ambos são de origem oriental.
Confesso que desconhecia esses pormenores que vieram, sem que eu esperasse,
enriquecer as biografias dessas figuras que saíram de minha cabeça. E o mais
interessante é que esse leitor é arredio, nunca aceitou meus convites para uma
visita e não comparece aos meus lançamentos. Seu meio de comunicação é a carta,
aliás, sempre bem datilografada, revelando uma pessoa caprichosa e que tem amor
ao que faz. A relação dele é com a obra; com o autor ele não quer nada!
Em meu livro “Tempo Frio”, publicado em 1988. incluí uma crônica denominada “A
Aroeira Pelada”, relatando uma de minhas mais antigas lembranças, quando “pelei”
das folhas uma pequena aroeira do campo que crescia diante de nossa casa. Na sua
simplicidade, a crônica parece ter tocado meu leitor assíduo, tanto que a ela se
referiu em várias cartas. Numa das últimas, porém, informou ter estudado as
aroeiras, descobrindo que são “árvores tóxicas”, cujo contato provoca irritação
na pele. Conversando com minha mãe, ela afirmou o contrário, dizendo que aquelas
aroeiras eram “mansas”, tanto que eu vivia trepado numa delas e nunca padeci de
irritação alguma. Informado, meu leitor aprofundou os estudos, descobrindo que
existem as aroeiras “mansas” e as “bravas”. Assim, diz ele, só podemos entender
que “A Aroeira Pelada era mansa.” Ainda bem! Graças à curiosidade dele, hoje
ambos sabemos mais sobre aroeiras, bagagem cultural cuja finalidade não me
ocorre, mas – como diz o povo – saber não ocupa lugar.
A “aroeira brava”, segundo minha mãe, seria o “pau-de-bugre”, este sim causador
de males à pele. Ensina a crença popular que ao passar perto dele deve-se
cumprimentá-lo com respeito e assim ele não ataca: “Bom dia, seu bugre!” Meu
avô, conta mamãe, era vítima frequente dos paus-de-bugre, também chamados de
bugreiros, e não raro voltava do campo empipocado e coberto de coceiras. O
remédio mais eficaz estava nos banhos de água corrente, - bica ou cascata -,
usando sabão de cinza, espécie de sabão caseiro. Como as aroeiras fossem
madeiras fortes, de troncos de cerne rijo, eram muito procuradas para palanques
(mourões) de cercas. Por isso, e também pelas lavouras mecanizadas que invadiram
os campos, as aroeiras do campo são mais uma espécie em extinção. Na marcha das
coisas, em breve só restará a aroeira de minha crônica – ainda que “pelada”.
Como viram os leitores, estou doutor em aroeiras e aceitando convites para
conferências sobre tão momentoso tema, com módico cachê a combinar.
(03 de maio/2013)
CooJornal nº 838
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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