26/04/2013
Ano 16 - Número 837
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
AS INVESTIGAÇÕES DO VELHO LEITE |
|
Embora pouco conhecido, o escritor Luiz Lopes Coelho (1911/1975) foi o pioneiro
da literatura policial no Brasil. Paulista, chefe de um próspero escritório de
advocacia, reconhecido “gourmet” e apreciador de vinhos, cultivava a boemia e
uma permanente alegria de viver, tanto que conquistou grande círculo de amigos,
desde figuras do cenário político, como escritores, poetas e até porteiros e
garçons dos bares que frequentava. Exerceu vários cargos, sempre na área
cultural, mas jamais ocupou qualquer função pública. Sou um bacharel que precisa
trabalhar para que o escritor produza – dizia ele. Contrariando a opinião
generalizada dos críticos que afirmavam ser impossível a ficção policial em
países subdesenvolvidos, tratou de criar personagens, inventar histórias e
escrever novelas que logo conquistaram os leitores. Quando o comparavam a Agatha
Christie, dizia, entre risos, que não ficava bem. Preferia, isso sim, ser
considerado o Georges Simenon Nativo. Ao falecer, deixou três livros publicados,
todos contendo contos do gênero policial. Rubem Braga, seu grande amigo, dizia
que os livros de Lopes Coelho “eram bons de ler, mas o melhor não era o escrito,
era o falado. Era um homem de uma graça, de uma inteligência e de uma
generosidade extraordinárias.”
Para comemorar o centenário de nascimento do escritor, a Confraria dos
Bibliófilos do Brasil (CBB), com sede em Brasília, publicou uma coletânea de
contos escolhidos de sua autoria. Em tamanho grande e refinada elaboração, com
sobrecapa e ilustrações, o livro recebeu o título de “Crime mais que perfeito e
outros contos de Luiz Lopes Coelho”, integrado às já conhecidas Edições da
Confraria. O prefácio é de autoria de Isabel Lopes Coelho, filha do autor, e as
ilustrações especiais foram executadas por Mozart Couto, artista plástico de
renome e portador de notável currículo. Além do conto-título, a coletânea traz
ainda “Um candelabro apaga uma vida”, “A morte no envelope”, “Ninguém morre duas
vezes”, “O homem que matava quadros”, “Não pôde o mais fez o menos”, “A ideia de
matar Tia Belina” e “E o delegado assassinou o assunto.” Alguns desses contos
são por demais conhecidos e os apreciadores do gênero com certeza os leram.
Lopes Coelho escrevia bem e foi muito criativo. Suas histórias são sempre cheias
de suspense e aguçam a curiosidade do leitor. Seu mais importante personagem,
presente em todos os contos deste livro, é o delegado Leite, titular da
Delegacia de Homicídios, e que o autor designa como “o velho Leite.” Parece-me,
no entanto, que não fosse assim tão velho, uma vez que estava sempre com uma
amiga e revelava admirável condição física. Creio que o termo velho fosse usado
num sentido afetivo, aquele que muitas vezes se consolida entre o criador e sua
criatura. Mas o delegado-investigador, a par de aguda inteligência, possui um
faro policial incomum e dos mínimos indícios extrai conclusões sempre acertadas.
E nisso lembra muito o Maigret, de Simenon, que tantas vezes parece mais
adivinhar que descobrir, guiado em diferentes ocasiões apenas pela intuição.
Senhor de vastos conhecimentos na área criminalística e de grande experiência
profissional, o velho Leite desvenda os mistérios com tranquilidade e calma, sem
grandes afobações. Prefere, às vezes, aplicar no infrator uma severa lição de
moral que levá-lo à cadeia, talvez prevendo que logo ele voltará às ruas, como é
de praxe no Brasil. Em outra ocasião, para generalizada surpresa, deixa de
investigar uma situação suspeita e repleta de curiosas coincidências, cujo
resultado por certo o levaria a desvendar mais um crime. Depois de trocar ideias
com sua Marília e de examinar os fatos em todos as minúcias, enquanto se embala
numa rede, parece ceder aos reclamos da mulher de que sempre a deixava sozinha,
e assim conclui o último conto, que é também a última página do livro: “Está
bem, Marília de Dirceu, está bem. Mas, se qualquer dia tiver uma folga, vou ver
isso de perto. Agora, desisto.”
E o delegado assassinou o assunto.
(Contatos com a CBB: Caixa Postal 8 6 3 1 – CEP 70302-970 –
DF).
(26 de abril/2013)
CooJornal nº 837
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados
|
|