12/04/2013
Ano 16 - Número 835
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O POETA DO AMOR |
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Tive um amigo que implicava com celebrações de datas, em especial com
centenários e outras do gênero, de nossos autores. Dizia ele, com justa razão,
que essas figuras permaneciam esquecidas por décadas até que fosse lembrada uma
data significativa em sua vida e todo mundo passava a escrever a respeito, mesmo
sem nada conhecer dele e de sua obra. Puro oportunismo. Por outro lado, se isso
acontece, também é verdade que é melhor assim do que o silêncio permanente.
Algumas celebrações de centenários e outras semelhantes foram positivas,
tornando mais conhecidos do público autores como Cruz e Sousa e Lima Barreto,
por exemplo, antes pouco comentados fora dos meios literários.
Por tudo isso, não será demais registrar o centenário de nascimento de Vinicius
de Moraes (1913/1980), nascido a 19 de outubro. No correr deste ano muitos
eventos marcarão o acontecimento e importante revista de cunho cultural já se
adiantou, publicando interessante reportagem sobre esse que foi considerado o
poeta do amor, invejado e imitado por numerosas pessoas (*). Até Drummond chegou
mesmo a afirmar: “Eu queria ter sido Vinicius de Moraes, o único poeta
brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão, ou seja, da poesia em estado
natural.” Como raros outros, viveu a vida do poeta.
Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes, depois abreviado para Vinicius de
Moraes, nasceu no Rio de Janeiro, filho de pai poeta e mãe pianista, em ambiente
propício ao desenvolvimento de seus dotes artísticos. Recordava que aos nove
anos escreveu os primeiros versos, versos de amor, como continuaria fazendo pela
vida a fora, e dedicados à primeira namorada, Cacy, colega de escola. Segundo a
revista, ele só voltaria a encontrar Cacy 56 anos depois, durante um show.
Casado nada menos que nove vezes, afirmava que cada um desses amores haveria de
ser infinito, - infinito enquanto dure, - conforme conhecidos versos que
escreveu. Durante o curso colegial viveu uma fase de profundo misticismo e
devoção católica que o acompanhou por vários anos. Ao ingressar na Faculdade de
Direito se ligou a pensadores católicos, entre os quais Tristão de Athayde
(Alceu Amoroso Lima), que o levou a publicar o primeiro poema numa revista
católica, aos 19 anos. Mais tarde se declararia ateu, ainda que pedisse a Deus
por nossa gente.
Nesse período, alheio ao movimento político-ideológico do meio religioso,
preferiu se dedicar ao cinema e à literatura. Trabalhando no Ministério da
Educação, aproximou-se de Drummond, funcionário dessa pasta, e aprofundou os
conhecimentos sobre cinema. Depois obteve uma bolsa de estudos na Inglaterra,
viveu cerca de um ano em São Paulo, em contato permanente com Mário de Andrade,
e ingressou na carreira diplomática, sendo nomeado vice-cônsul em Los Angeles.
Não poderia haver nada melhor para um apaixonado pelo cinema e ele travou muitas
relações em Hollywood e outras cidades. Andou pelo México, onde conheceu Neruda
e David Siqueiros, além de encontrar-se com Di Cavalcanti, e depois retornou ao
Brasil, desenvolvendo com entusiasmo sua obra de poeta, letrista e, pouco
depois, de cantor de música popular. Nessa fase produziu sambas, críticas de
cinema para a imprensa e sua primeira peça teatral, “Orfeu da Conceição”, que
“transporta para os morros cariocas a mitológica história de amor de Orfeu e
Eurídice.” O sucesso foi instantâneo. Nomeado para a embaixada de Paris,
continuou produzindo e colecionando sucessos. Teve diversos parceiros
importantes, dentre eles Tom Jobim, João Gilberto e Toquinho. O samba “Garota de
Ipanema”, interpretado em sua estreia como cantor, obteve sucesso incomum, caiu
na boca do povo e ganhou o mundo. Cassado pela ditadura, tornou-se cantor
profissional e percorreu o país. “Viajando tantas vezes no fusquinha do Fred
pela solidão do asfalto, - relatou ele, - comendo em restaurantes de
caminhoneiros, tomando caldo de cana em beira de estrada, cantando para plateias
muito jovens em clubes, ginásio e teatros.” E assim conquistou a alma do povo
que o alcunhou de poetinha, termo intimista e carinhoso.
Foi em 9 de julho de 1980 que partiu em silêncio, sem alarde. Nesse fatídico dia
amanheceu morto na banheira de sua casa, no bairro da Gávea. “A banheira foi
sempre seu lugar preferido para escrever e descansar” – informam seus biógrafos.
Na última entrevista que concedeu, perguntaram-lhe se estava com medo da morte.
“Não, meu filho, - respondeu, - eu não estou com medo da morte. Estou é com
saudades da vida!”
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(*) Revista “Agitação”, publicação do Centro Integrado
Empresa-Escola (CIEE), S. Paulo, número 108, pp. 54/57.
(12 de abril/2013)
CooJornal nº 835
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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