08/03/2013
Ano 16 - Número 830
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
MOMENTO INESQUECÍVEL |
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Retornando dos Campos Gerais, percorríamos a Transbrasiliana, na região de
Irani, onde visitamos o monumento ao Contestado e o cemitério que guarda os
restos mortais dos revoltosos que pereceram no célebre combate que deu início à
guerra, em 22 de outubro de 1912.
Aproveitando a ocasião, decidimos visitar o historiador Vicente Telles, morador
de uma fazenda próxima, e para lá nos dirigimos. Percorremos uma estradinha
rural e não tardamos a avistar a sede da propriedade, construída num terreno
plano e aberto, no alto de um coxilhão típico daquela região. Para a direita,
descortinam-se os terrenos contíguos, repletos de pinheiros e variadas espécies
de árvores espalhadas pelo campo. Ao redor da casa, renques de hortênsias
floridas, azuis e brancas, cercam o pátio da residência.
O silêncio profundo só era violado pelo vento que cantava nas quinas da
reforçada construção. A primeira impressão foi da ausência total de moradores,
embora a porta principal estivesse aberta de par em par, revelando tudo o que
havia no interior de uma ampla sala. Batemos palmas, bem à moda serrana, e o
proprietário não tardou a aparecer.
Alto e robusto, com os cabelos grisalhos, ele nos recebeu com alegria e logo nos
convidou a entrar. Iniciamos uma conversa um tanto atropelada, como acontece
quando há muito que dizer, saltando de um assunto para outro.
Mostrou-nos o exemplar de uma revista histórica contendo matéria a respeito de
sua irmã, sob o título de “A cabocla do Contestado que se tornou bailarina.” Em
seguida trocamos impressões sobre os mais recentes estudos feitos sobre o
Contestado e depois, munindo-se de uma sanfona de oito baixos, ele executou duas
peças musicais de sua autoria. A primeira retratando o combate e a busca
desesperada das mulheres pelos entes queridos envolvidos no conflito, correndo
pelo local ainda em meio à fumaça das armas, misturando-se o cheiro da pólvora
com o sangue quente. A segunda peça tratava de forma humorada do casamento e das
relações entre marido e mulher.
Convidou-nos, então, para visitar a “Fundação Contestado”, construída e mantida
por ele num casarão das proximidades. Lá, entre cartazes, fotos, bandeiras,
recortes de jornais, livros, revistas, publicações, documentos e petrechos
relacionados à guerra, ingressamos na “sala de taquara”, o recanto mais curioso
do local. Trata-se de uma ampla sala com as paredes e o teto revestidos de
taquara, à maneira de rancho caboclo, e com o piso de nó-de-pinho. Mobiliada com
mesa e cadeiras para a realização de palestras e debates, havia também bonecos
representativos das figuras emblemáticas da guerra e objetos a elas
relacionados, como bandeiras, cruzes, espadas e espingardas de madeira, além dos
inconfundíveis gorros de couro de jaguatirica, com os respectivos rabos,
lembrando o monge João Maria. Ao mesmo tempo em que explicava os eventos do
conflito, ele distribuía os objetos entre os visitantes para fixar na memória de
cada um as cenas históricas expostas. Assim, Isabela recebeu bonecas
representando a heróica Chica Pelega e a virgem Maria Rosa; Jandira segurou o
boneco alusivo ao capitão Matos Costa; Patrícia foi vestida de cangaceira, com
chapéu de abas largas, retamadas de medalhas, cartucheira atravessada no peito e
uma carabina; Cristian desfraldou o estandarte do Contestado, com a cruz verde
em fundo branco, e um chapéu com fita branca, no modelo usado pelos “pelados” e,
por fim, Enéas recebeu o gorro de jaguatirica, uma cruz de madeira e um cajado,
tais como usados pelo monge José Maria. Tudo foi fotografado e filmado para a
preservação desse momento inesquecível.
O anfitrião Vicente Telles é historiador, musicista, compositor e poeta. Foi
membro do Conselho Estadual de Cultura e é Cidadão Honorário catarinense por
resolução da Assembleia Legislativa. Conserva com carinho e empenho, intacta, a
fazenda herdada dos antepassados.
Ao nos despedirmos, deixando o cenário belíssimo da fazenda, levávamos a
impressão indelével de ter convivido por alguns momentos com uma figura única da
cultura serrana catarinense.
(Foi co-autora nesta crônica minha filha Patrícia Ribas Athanázio Hruschka, a
quem rendo meus melhores agradecimentos. EA).
(08 de março/2013)
CooJornal nº 830
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados
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