Três livros chegam dos pagos do sul, todos recheados das mais instigantes poesias. Os dois primeiros são obras póstumas de Hector da Costa Freitas (1895/1972), figura destacada nos meios sociais e literários de nosso vizinho do sul. “Sangas e Coxilhas”, com magnífica capa de Sonia Alcalde, e “Orgia das Sombras”, com esmerada produção gráfica, foram publicados por Evangraf Editora (Porto Alegre – 2012).

O primeiro deles, como sugere o título, é um hino de louvor à vida campeira. Nele o poeta aborda inúmeros aspectos de sua terra, como o onipresente chimarrão, a tapera esquecida e solitária, o paciente carreteiro enfrentando as agruras do mau tempo, o velho e alquebrado umbu centenário, o pampa deslumbrante a se perder de vista, o matungo abandonado, tremendo de frio e curtindo a saudade, o sabiá que desata sonora canção de prata, a campeirada, o potro, o pingo, amigo inseparável do campeiro, as longas prosas à beira do fogão, as manadas, as peleias, o tropeiro e por aí além. Não faltam também os protestos de amor ao chão natal, repassados de ternura e encantamento, como em “Bagé”, “Terra Prometida”, “Torrão Encantado”, “Querência”, proclamando sempre a condição de nativo daqueles pagos: “Sou riograndense, gaúcho/ Vivo modesto, sem luxo/ No meio do meu rincão./ Bem cedo, de madrugada,/ Me sento sob a ramada/ Onde tomo chimarrão” (p. 24). Também há momentos de pura exaltação amorosa e outros tantos contemplativos, como aquele em que observa a lagoa campeira, típica dos pampas, com suas águas estáticas a refletirem a luz do sol. “Vida e nada, nada e vida,/ Dão à lagoa parada./ O nada quando é esquecida,/ A vida quando é falada.” (p. 113). Há momentos em que retorna ao passado e revive fatos históricos, feitos e personagens que marcaram épocas. Sempre, em qualquer rumo seguido, em linguagem límpida, clara e correta. É um desenho pampeiro sem truques e artifícios.

Em “Orgia das Sombras”, volume sofisticado e elegante, o que predomina é o amor, inesgotável tema de tantos poetas. A musa inspiradora e seus encantos, a boca, a fala, os olhos negros e profundos, as mãos e até mesmo a saia atiçam-lhe o sentimento poético. Não poderiam faltar as inquietações, as dúvidas e os sobressaltos diante de eventual ausência de correspondência amorosa. É próprio dos românticos alternar o gozo e o sofrimento provocados pelo amor. Não obstante, ele declara à musa: “Eu te agradeço, querida,/ Toda a beleza da vida,/ O encanto do mundo/ Que o teu afeto profundo,/ Que a tua bondade sem termo,/ Flor perfumada e viçosa,/ Muito mais linda que a rosa,/ Desabrochou no meu ermo.” (p. 10). Surgem ainda momentos de elevação mística e de louvação à pátria, ao gênio, ao poeta, à liberdade, revelando a variedade de temas que tocaram na sensibilidade do autor. É, enfim, uma poesia simples por opção consciente e pura no expressar os sentimentos que lhe enchiam a alma. Uma leitura agradável e que me proporcionou um reencontro com a boa poesia.

O terceiro volume é uma coletânea de poesias organizada e publicada pela Oficina dos Poetas da cidade de Bagé para comemorar o 23º. aniversário da entidade. Com o título de “Aniversário”, reúne doze poetas, dentre os quais Sonia Alcalde, que se confessa um “coração apaixonado pelo mar e o pampa”, mergulhando “nas paisagens como se fosse parte delas” (p. 47). E, com efeito, ela canta a paisagem ao entardecer, procura decifrar a colcha de detalhes das bandas do sul, as terras amadas, a voz das praças, e, como outros pampeiros, com vontade de falar. Porque, afinal, “Cofre e coração se parecem/ Quando se fecham/ Quando se abrem” (p. 53).

Para encerrar, e uma vez que o assunto é poesia, registro a publicação de “Navegações e Regressos”, de Pablo Neruda, pela primeira vez lançado no Brasil pela “Folha de S. Paulo”, em magnífica tradução de José Rubens Siqueira, na coleção Literatura Ibero-Americana. Vale a leitura.



(02 de novembro/2012)
CooJornal nº 811