28/09/2012
Ano 16 - Número 806
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
HISTÓRIAS E LENDAS DE UM RIO: O VELHO CHICO |
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Creio que nenhum outro rio brasileiro, exceto o Amazonas, tem despertado tanto
interesse dos pesquisadores, escritores, poetas, artistas e aventureiros em
geral como o São Francisco, o imponente e popular Velho Chico. Considerado o rio
da unidade nacional, é um dos raros cursos de água que correm do sul para o
norte, tem em seu curso acidentes geográficos monumentais, como os cânions do
Xingó e a cachoeira de Paulo Afonso, além de ser o depositário das esperanças de
milhões de sertanejos que penam com a seca graças à transposição de suas águas.
Nascendo na Serra da Canastra, no interior do município de São Roque de Minas, o
rio banha os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, onde
desemboca no Atlântico e serve de limite entre estes dois Estados. Percorre
planaltos e planícies, cruza serras e cerrados, despenca de íngremes alturas,
banha matas e caatingas. Abre-se em grandes remansos, espreme-se em estreitos
desfiladeiros, tem profundezas assustadoras e despraiados pedregosos e rasos.
Represado em diversos pontos, formou lagos enormes, como o de Sobradinho, tão
grande que alterou a umidade do ar e o próprio clima da região. Não contente,
sustenta milhões de pessoas, fornecendo-lhes alimento e trabalho. Por tudo isso
e muito mais, o Velho Chico vem sendo estudado sob os mais variados ângulos e
inspirando obras de grandes homens de letras, como acabo de ler, mais uma vez,
em excelente publicação que me foi oferecida pelo poeta Cosme Custódio, de
Salvador (*).
Entre os inúmeros escritores brasileiros que o integraram às suas obras estão
Guimarães Rosa, Mário Palmério, Jorge Amado, Rui Santos, Wilson Lins, Murilo
Carvalho, Ronaldo Kotscho, Carlos Lacerda e muitos outros. Castro Alves escreveu
sobre “A Cachoeira de Paulo Afonso” um de seus mais célebres poemas e o
Imperador D. Pedro II, em seus diários, fez entusiásticas anotações a respeito
da beleza dessa queda d’água por ocasião de sua visita. Todos os grandes
pesquisadores estrangeiros que escreveram sobre o Brasil estudaram de maneira
mais ou menos aprofundada o grande rio: André João Antonil, Henrique Halfeld,
Elisée Reclus, J. E. Wappaeus etc. O explorador inglês Sir Richard Francis
Burton realizou a mais fantástica aventura, singrando numa canoa o rio das
Velhas, desde Sabará, até o Atlântico, percorrendo todo o curso navegável do São
Francisco. Fotógrafos e pintores famosos o retrataram de todos os ângulos e
incontáveis estudiosos pesquisaram sua geografia, história, fauna e flora da
bacia, peixes, folclore, economia, falares, cidades ribeirinhas, navegação e
tudo mais.
As carrancas colocadas nas proas das embarcações constituem um capítulo dos mais
curiosos. Em Pirapora, no médio curso, elas apareceram e se tornaram conhecidas
em toda parte. Teriam surgido entre 1875 e 1880, mas só se popularizaram no
início do século passado. Até hoje o fabrico e a venda de carrancas é importante
na economia regional. São de todos os tamanhos, esculpidas em peça única numa só
tora de madeira. Trabalho magistral de artesãos habilidosos, com técnica
transmitida de pais a filhos. Segundo a lenda, era instalada na proa como
garantia da embarcação, pois dava três gemidos quando ela estivesse em perigo de
naufragar. Seria também a proteção contra os duendes do rio, em especial o Nêgo
d’Água, o Minhocão, a Cachorrinha e o Caboclo d’Água. Dizem ainda que seria
proteção garantida contra tempestades e desgraças, esconjurando espíritos
maléficos que saíam das entranhas do rio para assombrar barqueiros, tentar
mulheres, roubar crianças, virar e até afundar as barcas. Os olhos escancarados
e as bocarras abertas das carrancas afugentavam esses seres maléficos. Era,
pois, um amuleto de proteção e de enormes dimensões, esculpido com as mais
criativas e horrendas fisionomias. Estilizadas e coloridas, hoje as carrancas
são atração para os turistas e todos que por lá viajam trazem seu exemplar, como
eu próprio o fiz, e que me deu imenso trabalho.
O Velho Chico é uma fonte perene de inspiração e merece uma visita atenta de
todo brasileiro.
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(*) “Revista de Cultura da Bahia”, publicação do Conselho Estadual de Cultura,
Salvador, número 22, págs. 11 a 81 (Contato: Avenida 7 de Setembro, 1330).
(28 de setembro/2012)
CooJornal nº 806
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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