10/08/2012
Ano 16 - Número 799
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A INDESEJADA DAS GENTES |
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Mal se embalava o janeiro deste novo ano e já a Indesejada das Gentes, como
diria o poeta, anunciou sua implacável presença. Logo pela manhã do dia 11,
corria a triste notícia: falecera em Florianópolis o escritor e acadêmico Jair
Francisco Hamms (1935/2012). Amável e simpático, aliou tais qualidades ao
reconhecido talento para o conto e a crônica, registrando como raros outros o
modo de ser dos ilhéus em seus leves e humorados textos. Numa enquête realizada
por um jornal eu o apontei como um dos maiores cronistas daquela época, posição
que não perdeu com o passar dos anos, mesmo tendo surgido tantos outros
escritores. Nos jantares com escritores que promovíamos na época em que residi
em Blumenau, ele foi um dos convidados mais destacados. Além de bem escrever,
foi hábil narrador de casos envolvendo a gente de Florianópolis, da qual foi
atento observador.
Bacharel em Direito, advogado, professor universitário, empresário e
publicitário, foi redator do jornal “O Estado” e secretário de Estado. Durante
algum tempo foi colaborador do “Jornal de Santa Catarina.” Também colaborou com
Aurélio Buarque de Hollanda no setor de regionalismos catarinenses. Pertenceu à
Academia Catarinense de Letras, tendo pronunciado, em sua posse, um belo
discurso em que recordava as agruras da família de parcos recursos que vai
prosperando à custa de lutas e sacrifícios. É uma peça admirável e que bem
mereceria a publicação.
Publicou os livros “Estórias de gentes e outras estórias” (crônicas – 1971), “O
vendedor de maravilhas” (crônicas – 1973), “O detetive de Florianópolis”
(crônicas – 1983), “A cabra azul” (crônicas – 1985), e “Santa Catarina, um
caleidoscópio étnico” (ensaio – 1992). Participou de várias antologias, dentre
elas “Antologia de autores catarinenses”, “Panorama do conto catarinense”,
“Comunicação e expressão através do conto e crônica”, “Assim escrevem os
catarinenses”, “Este humor catarina”, “Cambada de mentiroso” e “Numa ilha.”
Publicou ainda o livro “Samba no Céu”, crônicas. É provável que muitos de seus
escritos estejam espalhados nas páginas de jornais, nunca publicados em livros.
Em que pese sua importância como contista e, acima de tudo, como cronista, Jair
Francisco Hamms mereceu exígua fortuna crítica e não conseguiu ultrapassar os
limites da capital, ou pouco mais, com os quais parecia se conformar. Como tenho
verificado in loco, em constantes viagens pelo Estado, não se tornou conhecido,
o que constitui um prejuízo para nossas letras. Também desconheço a existência
de algum estudo sistemático e global de sua obra. Não encontrei registro dele no
“Dicionário Literário Brasileiro”, de Raimundo de Menezes (LTC Editora – Rio/S.
Paulo – 2ª. ed., 1978) e a “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, de Afrânio
Coutinho e J. Galante de Sousa, dedica-lhe seis linhas incompletas (MEC – Rio –
1990, vol. 2, pág. 697). Quanto aos críticos locais, constatei que Celestino
Sachet afirmou: “desde cedo revelou marcada vocação para a crônica”, anotando
que “ao falar de sua ilha, com a linguagem simples e espontânea de suas gentes,
Jair Francisco Hamms está descrevendo as gentes e as cidades de todos nós”
(“Literatura Catarinense”, Florianópolis, Lunardelli, 1985, pág. 179). Já o
gaúcho Antônio Hohlfeldt avança um pouco mais, esmiuçando o panorama dos
contos-crônicas e anotando as reminiscências da infância e das viagens do
escritor (Idem). Fico com a sensação de que os catarinenses, admirados com o
sucesso que faziam seus livros, esqueceram de analisar sua obra.
Tenho para mim que o ponto alto da produção de Jair Francisco Hamms foi “O
vendedor de maravilhas”, publicado em 1973. Nele se reúne um punhado de
excelentes crônicas, retratando não apenas o viver ilhéu mas também fatos
ocorridos nas andanças do autor. Como ele dizia, “especializou-se em coisas
chatas”, o que lhe permitiu viajar pela América e pela Europa, sempre com as
antenas ligadas na captação de temas cronicáveis a serem aproveitados em seus
textos. “A cabra azul” também fez sucesso, ainda que inferior.
Em suma, Jair Francisco Hamms foi o escritor que pôde ser nas circunstâncias em
que viveu e realizou sua obra com ardor e sinceridade. Segundo Gilberto Amado,
num país onde a literatura é sempre uma atividade marginal do escritor, não se
pode exigir dele o impossível. Creio que Jair poderia dizer com Manuel Bandeira:
“Quando a Indesejada das Gentes chegar/ Encontrará lavrado o campo, a casa
limpa./ A mesa posta./ Com cada coisa em seu lugar.”
(10 de agosto/2012)
CooJornal nº 799
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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