03/08/2012
Ano 16 - Número 798
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
FÊNIX NÃO RENASCEU |
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As agruras de um fugitivo da Justiça, pronunciado por crime de morte, constituem
o passo inicial para a construção do romance “A Marca dos Pronunciados”, de
autoria do escritor lageano Antonio Paulo Ramos de Athayde (Livre Expressão
Editora – Rio de Janeiro – 2011). Perseguido sem trégua pela polícia, à qual
pertencia sua vítima, além de ser homem de oposição, o personagem Tadeu Varela
vai buscar nos confins a segurança que lhe garantisse a sobrevivência. Por
ínvios caminhos que cortam coxilhas e canhadas, mataria fechada e picadas de
nossos Campos Gerais, vai dar em remoto vilarejo desconhecido dos homens,
ausente dos mapas e esquecido pelos deuses. E ali, para sua surpresa, se reuniam
outros tantos fugitivos como ele, todos autores de crimes de morte, uma vez que
estes se toleravam enquanto os ladrões eram escorraçados como indesejáveis. Para
completar, estabelecera-se na vila uma forma de ditadura em que certo adepto do
monge José Maria, de quem teria herdado a escritura contendo normas de
procedimento, governava com mão de ferro. Sob seu jugo ferrenho, o povo vivia
amedrontado e submisso, praticando uma espécie de coletivismo primitivo. Na vila
isolada e bucólica, batizada de Fênix, as pessoas se entregavam ao trabalho, às
prosas na bodega e às rezas, enquanto os dias iguais e repetitivos escorriam
para o poço sem fundo do tempo. A chegada do elemento estranho, encarada com
desconfiança no início e depois bem aceita, vai provocar alterações no modus
vivendi, ainda que pouco aproveitem ao personagem. Com esses ingredientes,
revelando imaginação e fôlego de romancista, Paulo Athayde conduz o leitor até o
final deste livro que vem enriquecer a estante dos romances ambientados na
região campeira.
No correr da narrativa o autor revela seguro conhecimento da região, seus
costumes e a psicologia do povo. Refere algumas cidades reais, mescladas à
ficção, dentre elas a minha Campos Novos onde, por sinal, fôra decepada a orelha
de Mariano Costa, por apelido Troncho. A linguagem usada é normal, com dosadas
expressões regionais, ou seja, é um regionalismo de fundo e não de forma, como
diria o crítico Lauro Junkes, na trilha de outro lageano, Guido Wilmar Sassi.
Mas o ambiente rural e campeiro é desenhado com precisão aos olhos do leitor.
Troncho, aliás, era homem de saberes de experiência feitos e tinha lá suas
curiosas teorias. Segundo ele, “não havia um só deus para todas as pessoas, e
sim um deus para cada uma em particular. Havia um deus-rico e um deus-pobre. Um
deus-branco e um deus-preto. Um deus-sadio e um deus-doente, um alegre e um
triste e assim por diante, podendo ainda existir vários deles numa só pessoa,
pois só assim se poderia entender as desigualdades” (p. 56). Talvez uma teoria
algo confusa, como, aliás, tantas de notórios filósofos.
Hábitos e crendices regionais afloram em várias passagens do texto. Assim, o
costume de gritar “Ô de casa!”, antes de entrar, a crença de que a lua minguante
é a melhor época para cortar madeiras, ditos como “o que não tem remédio,
remediado está” e expressões típicas de uso corrente.
É, enfim, um mergulho de corpo inteiro nos Campos Gerais, convivendo com sua
gente e ouvindo seu sotaque.
Mas, apesar de tudo, Fênix não sobrevive e nem tampouco ressuscita. Assim como
existiu, ignorada por todos, desapareceu sem deixar vestígios. “Novamente se fez
silêncio sobre Fênix, só que desta vez um silêncio sepulcral e definitivo. (...)
Fênix jamais iria renascer de suas próprias cinzas” (p. 122).
Sem dúvida, uma solução inteligente do autor, tornando seu livro o documento
único de tão estranha história.
(03 de agosto/2012)
CooJornal nº 798
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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