06/07/2012
Ano 16 - Número 794
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
JORGE AMADO CRONISTA:
TEMPOS DE TENSÃO
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A Companhia das Letras publicou em boa hora o volume “Hora da Guerra”, contendo
numerosas crônicas de Jorge Amado (1912/2001), escritas durante a II Guerra
Mundial, entre 1942 e 1944, para publicação em jornal baiano e que estavam
inéditas em livro. Elas descortinam um panorama do grande conflito visto da
Bahia, acompanhando passo a passo os acontecimentos e revelando como o autor
estava informado e atento a tudo que ocorria em outros cantos do planeta. Todos
os textos mantêm o mesmo estilo livre e leve de tudo quanto escrevia, mesmo
quando toca em temas amargos, típicos de uma guerra de grandes proporções. Além
disso, o volume traz um ilustrativo caderno de fotos, inclusive do escritor
quando jovem, com sua conhecida e sempre lembrada “cara de turco.”
No início o livro reflete o ambiente tenso reinante no mundo democrático diante
do avanço das tropas nazifascistas que invadiam e dominavam países e que
pareciam invencíveis. Aos poucos, porém, o temor vai se dissipando à medida que
a vitória aliada se anuncia no horizonte e as pessoas conseguem respirar livres,
sem o horror da opressão e do obscurantismo que pesava sobre todas. Aliviado, o
cronista vibra com o fim das carreiras de homens orgulhosos e arrogantes que
ameaçavam com suas botas pisar sobre o mundo derrotado e registra os primeiros
julgamentos dos adesistas e traidores, em especial Pétain e Laval, na França. E
alerta contra os apoiadores de undécima hora, inimigos de ontem que passam a se
proclamar democratas desde criancinhas na vã tentativa de sobreviver graças a
uma paz de compromisso, como acabou acontecendo com Franco e Salazar. Mas a
vitória aliada é um desafogo que lava a alma dos democratas e permite ao
escritor colocar um ponto final na longa série de crônicas. Sua missão estaca
cumprida.
Em páginas palpitantes de entusiasmo, enaltece as figuras de escritores que
deixam de lado a obra de ficção, saem da celebrada “torre de marfim” e envergam
o uniforme de correspondentes de guerra para bem informar o mundo da verdade
real. Ernest Hemingway, John Steinbeck, George Orwell, John dos Passos estão
entre eles, assim como o ator Clark Gable, capitão de artilharia e instrutor da
força aérea americana, doublé de mocinho e herói. E não poderia esquecer os
brasileiros, como o pintor Carlos Scliar, que envergou o uniforme de pracinha e
combateu na frente de batalha, e os escritores Rubem Braga, Joel Silveira e
Antonio Callado, todos representando a imprensa nacional e acompanhando
cara-a-cara as hostilidades onde elas de fato aconteciam. Exalta ainda os que se
entregam ao esforço de guerra aqui no país, denunciando os adesistas, os
quinta-colunas, os derrotistas e os que semeavam a divisão de forças, o
antissemitismo e o preconceito contra os negros. Escritores, poetas,
jornalistas, pintores, escultores, músicos, professores, diplomatas, artistas
plásticos, homens públicos, todos são lembrados por sua colaboração na luta pela
democracia. Não esquece nunca dos jovens brasileiros que lutam em chão
estrangeiro e dos que pereceram nos bombardeios de nossos navios. Nesta guerra,
dizia ele, só as estrelas são neutras – repetindo Quentin Reynolds, um dos
maiores jornalistas americanos.
Em comovida passagem, recorda o papel da BBC de Londres, transmitindo de um
porão e sob intenso bombardeio. “Quando tudo parecia perdido, quando já a
esperança abandonava muitos corações, quando a noite de terror parecia eterna,
foi, em grande parte, essa estação de rádio que sustentou a moral dos povos
europeus” – escreveu ele (p. 130). Mas, ainda que a duras penas, a vitória
aliada aconteceu e o sol da liberdade voltou a brilhar em todo o mundo. E Jorge
Amado, com a costumeira mestria, registrou neste livro modelar os dias
carregados de angústia e sofrimento em que o mundo esteve à beira de nova era
medieval. É um documento que merece a leitura atenta de todos os brasileiros e
que engrandece a obra do grande escritor, cujo centenário se comemora neste ano.
(06 de julho/2012)
CooJornal nº 794
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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