06/04/2012
Ano 15 - Número 781
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
LIVROS SOBRE O CONTESTADO |
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A bibliografia sobre o Contestado vem crescendo de forma admirável. Muita
gente vem se debruçando sobre o assunto, o que é surpreendente e representa
uma espécie de desforra histórica porque a guerra que ensanguentou grande
parte de nosso Estado, entre 1912 e 1916, foi sempre escamoteada pelos
historiadores ortodoxos, como se escondessem algo feio ou vergonhoso,
transformando o tema em verdadeiro tabu. Mesmo tendo nascido e crescido na
região contestada, jamais se tocou no assunto nas escolas que frequentei,
tanto que mais tarde, ao tomar conhecimento dos fatos, fiquei surpreso ao
saber que tinham acontecido em lugares onde estive e conheci desde a infância.
Mas os tempos mudaram, o preconceito foi vencido e o movimento caboclo passou
a ser visto com novos olhos. Ainda bem, antes tarde do que nunca!
A maioria dos trabalhos sobre o tema, pelo que tenho observado, é de conteúdo
histórico, ou seja, o Contestado não tem inspirado muitas obras de ficção ou
poéticas, embora seja um filão inesgotável para autores dotados de
criatividade ou pendores para a poesia. Tenho comentado nesta coluna diversos
livros a respeito do assunto que me caíram nas mãos e hoje abordarei dois que
não conhecia e que acabo de examinar com interesse.
O primeiro deles é “Vale da Morte: o Contestado visto e sentido”, de Nilson
César Fraga (Editora Hemisfério Sul – Blumenau – 2010). Professor de geografia
em nível superior, o autor reuniu neste volume suas observações a respeito de
viagens realizadas com seus alunos pela região contestada para conhecer in
loco os lugares mais significativos daquele movimento e sentir de perto o
clima reinante nos dias de hoje. É o resumo de diversas expedições bem
planejadas e realizadas com a disposição de examinar com acuidade, com olhos
de ver. E com tal propósito, ele e seus alunos visitaram lugares emblemáticos
da guerra, a exemplo de Santa Maria, onde estava situado o célebre reduto, Perdizinhas, local em que foram construídas as fornalhas para cremação de
cadáveres, Irani, onde se deu o primeiro combate, no Banhado Grande, ocasião
em que pereceram o “monge” José Maria, líder dos revoltosos, e o coronal João
Gualberto, comandante das forças oficiais. Visitaram ainda outros locais,
traçando uma espécie de roteiro para futuros exploradores, buscando
reconstituir com fidelidade tudo que aconteceu. Há momentos tocantes, como o
encontro do “cemitério dos anjos”, local em que eram sepultadas as crianças
que faleciam sem batismo, fora dos cemitérios comuns. Chocante foi o encontro
do rio Lava Tripa, afluente do Santa Maria. “Tinha esse nome – relata o autor
- desde os tempos das batalhas finais no reduto. O número de mortos era muito
grande para ser enterrado durante os bombardeios federais, então os caboclos
colocavam os corpos dilacerados naquelas águas geladas, montanas, para evitar
a putrefação. (...) Enquanto os corpos jaziam sobre o leito gelado do rio,
suas águas correntes faziam a limpeza das vísceras, e o caldo vermelho seguia
por quilômetros...” (pp. 96 e 97). Como conclusão final, acentua ele, o
desconhecimento generalizado reinando sobre o assunto, mesmo nos locais que
lhe serviram de palco, e muita coisa que deveria ser preservada ameaça
desaparecer. Também a versão dos vencedores, martelada durante sucessivas
gerações, está encastelada nas cabeças de muita gente que paga ainda hoje o
preço da guerra. É curioso observar que o ponto de apoio dos exploradores foi
o extinto Hotel Ronda, na cidade de Caçador, no qual eu também me hospedava
nas incursões pela região. Cedendo à pressão imobiliária, o velho e simpático
estabelecimento não existe mais.
O segundo livro, já mais antigo, me foi oferecido pelo velho amigo
Desembargador Orli de Ataíde Rodrigues. Trata-se de “Taquaruçu”, de autoria de
Sérgio de Lorenzi (Edição do Autor – 2003). Nele o autor busca reconstituir o
que aconteceu durante a guerra naquele reduto, hoje Fraiburgo, através de
pesquisas no local, investigações em documentos antigos e depoimentos de
sobreviventes do conflito ou seus descendentes. Ele procura estabelecer a
distinção entre jagunços e revoltosos, aliás bem apropriada, uma vez que os
primeiros muitas vezes estavam a serviço dos coronéis que lutavam pela
manutenção do status quo e contribuíram para a eclosão do conflito. Também
relembra a figura de Chica Pelega, a heroína do Taquaruçu. Os mortos no reduto
ultrapassaram as seiscentas pessoas, incluindo idosos, mulheres e crianças. O
livro é bem documentado e contém interessantes fotografias de lugares
importantes para a reconstituição histórica da guerra.
(06 de abril/2012)
CooJornal nº 781
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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