01/03/2012
Ano 15 - Número 776
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
A CIDADE DESABAFA
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Escrever o romance de uma cidade
através de entrevistas, se não é inédito é, pelo menos, incomum. Procurar
pessoas dos mais diversos ofícios, costumes e formação e delas arrancar, sem
qualquer forma de censura, o que pensam de bem ou de mal e tudo quanto lembram
do passado, recente ou remoto, de uma cidade, eis uma tarefa que me parece das
mais complicadas. É preciso vencer a resistência de algumas e superar o receio
que outras tenham de se manifestar sem o temor de represálias ou
ressentimentos. Mas foi isso que fez Franklin Jorge, jornalista de experiência
e renome, através de 50 entrevistas com as mais diversas personalidades de
Natal (RN), num verdadeiro balanço da vida da cidade no correr do século
passado. Com toda propriedade, foi assim que ele escreveu o romance de uma
cidade, como diz o subtítulo de seu livro “O Spleen de Natal” (Editora da UFRN
– Natal – 2001). E, se isso não bastasse, fez uma história com gente, algo
vivo e palpitante, revelando a alma e o sentimento urbano, não se limitando
aos elogios bairristas mas, ao contrário, destacando o negativo, quando
merecido.
É curioso notar que as entrevistas não têm títulos e nem tampouco as
costumeiras perguntas e respostas. As palavras do entrevistador e do
entrevistado se misturam sem que surja qualquer confusão, uma vez que o leitor
percebe com perfeição quando fala este ou aquele. Daí resultam textos que se
assemelham a crônicas, cada uma delas compondo um capítulo desse curioso
romance de uma cidade conhecida como a terra do sol e por sua paisagem natural
e urbana.
Para bem captar a atmosfera da cidade, seu espírito e seu humor, o autor
entrevistou todo tipo de gente. Poetas, escritores, jornalistas, cantores
populares, atores, músicos, artistas plásticos, figuras pitorescas,
visitantes, profissionais, funcionários, gente simples do povo, pescadores,
favelados, líderes comunitários, agitadores, idosos e jovens. E de cada um foi
extraindo com habilidade as informações desejadas e, mais que isso, as
opiniões a respeito da vida urbana, sua história, sua cultura, as
personalidades destacadas e tudo o mais. É frequente a queixa contra o
desinteresse e a ausência de apoio do poder público às coisas da cultura,
males que parecem nacionais, uma vez que a quase totalidade dos políticos
ainda julga a cultura uma espécie dispensável de perfumaria. Por outro lado,
há quem lamente a apatia dos jovens e sua incapacidade de indignação. E quando
isso acontece, “as coisas estão pretas.” Também há quem lamente as costumeiras
“panelas” que surgem em defesa de interesses mútuos, nem sempre legítimos,
como existem em toda parte. Surge mesmo quem não goste do passado porque “o
passado transforma as coisas e faz os mortos melhores do que foram em vida. O
passado é falsário por natureza...” (p. 75).
Uma presença perpassa o livro do começo ao fim, revelando a força de sua
personalidade e a influência que exerceu. Trata-se de Luís da Câmara Cascudo
(1898/1986), folclorista e historiador da cidade. Aparece como o jovem “dândi”,
filho-de-papai, deitado numa rede e acocado pelas mulheres da casa, assim como
em tantas outras fases da vida. O pesquisador, o escritor, o professor, o
orador, o mestre. Sua reconhecida bondade, a discrição permanente, o interesse
pela cultura popular, a repercussão nacional de sua obra, o amor à cidade da
qual nunca quis sair e a imensa roda de amigos que invadiam seu chalé e que
ele, com a maior franqueza, mandava baixar em outro terreiro quando se
excediam nas visitas. Cascudo que foi vítima permanente dos invejosos, sempre
tentando diminuí-lo, desprezado pela gente bem porque se dedicava às coisas do
povo humilde, frequentando bibocas do porto e da praia. Com quem tive a sorte
de passar toda uma tarde, numa descontraída conversa, em 1983, três anos antes
de seu falecimento.
Alheio e acima dessas miudezas, ele trabalhou e trabalhou, tornando-se o maior
e mais festejado folclorista nacional. E com seu reconhecido bom humor,
saboreando o inseparável charuto, dizia que parente é amigo por obrigação,
enquanto amigo é parente por vocação.
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Endereço do Autor comentado: Vila dos Espanhóis, casa 1 1 5
3
Avenida Prudente de Morais – Tirol – 59020-470 – Natal – RN.
(01 de março/2012)
CooJornal nº 776
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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