Com o centenário do falecimento
de Euclides da Cunha, ocorrido em 2008, e a infinidade de matérias que
provocou na mídia, a figura de Antônio Conselheiro, líder da Revolta de
Canudos, voltou a ser debatida. Apesar de tudo que foi escrito, conclui-se que
pouco se sabe a respeito dele, ainda que seja o personagem central de “Os
Sertões”, um dos mais importantes livros de nossa literatura. Creio que o
sociólogo Clóvis Moura, meu pranteado amigo e grande estudioso da negritude,
tinha razão quando afirmava que o Conselheiro estava pedindo um biógrafo.
Mas o que se sabe, afinal, a respeito de Antônio Vicente Mendes Maciel, mais
tarde conhecido como Antônio Conselheiro, Santo Antônio dos Mares, Bom Jesus
Conselheiro ou, simplesmente, Conselheiro? Compilando autores, colhendo dados
daqui e dali, vamos tentar um perfil imperfeito, incompleto e cheio de
lacunas. Parece certo que ele entrou em cena, na região de Canudos, no Estado
da Bahia, em 1893, vindo de Quixeramobim, no sertão do Ceará, e acompanhado
por centenas de sertanejos. Canudos, à margem do rio Vaza-Barris, era um
aglomerado de casebres ao redor das ruínas de antiga fazenda, considerado
pelos crentes como a Terra da Promissão, “único lugar não contaminado para
onde as pessoas deveriam ir para se salvar” – segundo a historiadora Maria
Natalina Jardim. Seu nome seria derivado do hábito de fumar cachimbos feitos
com pequenos tubos de uma planta regional. Traído pela mulher, o Conselheiro
teria se retirado para aquele sertão inóspito, onde ninguém o conhecia, para
esquecer as mágoas do passado. “Homem estranho, taciturno e maltratado,
segundo a mesma fonte, era versátil e curioso, tendo sido antes comerciante,
professor primário, rábula e amansador de cavalos.” Grande conhecedor da
Bíblia, fazia citações de memória e aconselhava as pessoas sobre seus
problemas, sempre de maneira prática e eficaz. Teria trabalhado por bastante
tempo como rábula (advogado provisionado) nos foros de Campo Grande e Ipu,
sendo presumível que conhecia rudimentos de Direito, e era considerado bom
orador. Seus sermões, proferidos ao entardecer, eram acompanhados por uma
multidão de seres maltrapilhos que “pareciam beber suas palavras”, conforme o
relato de uma testemunha. Embora tachado muitas vezes de bronco e analfabeto,
tudo indica que tais afirmações não tinham fundamento. Considerado louco por
alguns, exames minuciosos de seu cérebro, levados a efeito pelo cientista Nina
Rodrigues, não revelaram anormalidade alguma.
Por onde passava, o Conselheiro reconstruía cemitérios antigos, reformava
açudes contra as secas, construía capelas e restaurava outras, liderando sem
esforço grande número de voluntários. Cristão, monarquista e antirrepulicano,
não aceitava o casamento civil, a cobrança de impostos e a deposição do
Imperador. Foi também abolicionista convicto. Pouco se conhece sobre sua
pessoa e os relatos que o pintam vestido com um camisolão azul, cabelos
desgrenhados, barbas espessas e inclinado à autoflagelação se devem mais à
ficção que à realidade comprovada. É quase sempre descrito como branco, embora
seu batistério o registre como pardo, segundo pesquisas do referido Clóvis
Moura. Suspeita-se, inclusive, de que o arraial de Canudos fosse um quase
quilombo. Segundo um depoente da época, “grande porção de quilombos e
mucambeiros formavam em suas hostes e soldados e desertores de diversos
Estados e o povo treze de maio é a maior parte.” Líder nato, conduziu a
resistência armada com poucas palavras e grande sucesso, obrigando o governo
republicano a usar de uma força militar até então jamais igualada para debelar
o movimento. O Conselheiro não chegou a testemunhar a queda de seu arraial e o
massacre final. Morreu alguns dias antes, foi sepultado em cova rasa e depois
exumado para a retirada da cabeça. Entrou na história como chefe de uma das
maiores rebeliões populares de todo o mundo.
(13 de janeiro/2012)
CooJornal nº 770
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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