Muitos grupos literários têm
surgido em vários pontos do país. Poucos, porém, tiveram a dimensão da chamada
Padaria Espiritual, criada em Fortaleza em 1892 e que se manteve em atividade
até 1898. Nascida no Café Java, de propriedade de Manuel Pereira dos Santos,
mais conhecido como Mané Coco, no ângulo noroeste da Praça do Ferreira, tinha
como figura central Antônio Sales (1868/1940). Poeta, romancista, autor
teatral e jornalista, foi o autor do “Programa de Instalação” e do
“Retrospecto” da entidade. Embora fosse o Primeiro-Forneiro (secretário),
exerceu interinamente o cargo de Padeiro-Mor (presidente). Integravam o grupo
vários outros rapazes, quase todos ligados às letras e às artes, que desejavam
movimentar a vida cultural da cidade. Entre eles estavam Lívio Barreto, o
maior expoente do Simbolismo naquele Estado, Adolfo Caminha, que seria um dos
grandes nomes do Naturalismo brasileiro, Rodolfo Teófilo, José Nava, pai do
memorialista Pedro Nava, Henrique Jorge, que foi músico e não escritor, Luís
Sá, desenhista e pintor, Joaquim Vitoriano, que não era escritor, músico ou
pintor mas “entrou no grupo em virtude de sua força física e valentia, sendo
uma espécie de guarda-costas dos companheiros”, e vários outros, alguns na
primeira e outros na segunda fase da agremiação. Todos os integrantes tinham
nomes de guerra e a entidade publicava o jornal “O Pão.” Tornou-se muito
conhecida e obteve grande destaque, merecendo referências de escritores de
renome. O maior estudioso de sua história, tendências e realizações é o Prof.
Sânzio de Azevedo, de cujo livro “Breve História da Padaria
Espiritual” (Edições da Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza, 2011)
nos valemos para estas notas.
A Padaria Espiritual se destacou pela originalidade, pela criatividade e pelo
humor. O “Programa de Instalação”, redigido por Antônio Sales, bem o
demonstra. Seu objetivo era fornecer pão de espírito aos sócios em particular
e aos povos em geral. Todos os sócios se chamavam padeiros. Após a instalação
só seria admitido como sócio quem apresentasse uma obra considerada “decente.”
O tom oratório foi proibido, sob pena de vaia. As pessoas que fossem objeto de
dissertações dos padeiros – sábios, poetas, artistas e literatos – eram
chamadas de vitimas. Ficou proibido o uso de palavras estrangeiras, exceto os
neologismos do Dr. Castro Lopes, médico que tinha horror dos galicismos e
anglicismos. Os padeiros deveriam usar qualquer flor na lapela, exceto chichá,
porque tem cheiro insuportável e que lembra esterco. Foi proibida qualquer
referência à rosa de Malherbe, que sugere coisa passageira, efêmera, ou
escrever nos álbuns de folhas mais ou menos perfumadas das moças. Todo sujeito
que atentasse contra o bom senso e o bom gosto artísticos receberia a solene
alcunha de – medonho. Seria preferível que os poetas da Padaria expressassem
suas ideias em... versos. Fariam um apelo a todos os jornais do mundo (!) para
que enviassem suas publicações à biblioteca da Padaria. Eram considerados
inimigos naturais da entidade os padres, e, por extensão, as freiras, os
alfaiates e a polícia. Padeiro que aparecesse com colarinho de alvura
contestável teria o fato registrado. Pena de expulsão sumária seria aplicada
ao padeiro que recitasse ao piano. As mulheres, como entes frágeis, mereciam
todo o apoio da Padaria, exceto as fumistas, as freiras e as professoras
ignorantes. Para completar, a entidade teria correspondentes em todas as
capitais dos países civilizados do mundo, escolhendo-se para isso literatos de
primeira água. Como observa Sânzio de Azevedo, se ela não chegou a tanto, teve
correspondentes como Araripe Júnior, Olavo Bilac, Coelho Neto, Garcia Redondo,
Augusto de Lima, Raimundo Correia e Clóvis Beviláqqua. Esses são apenas alguns
dos propósitos da Padaria Espiritual, colhidos aqui e ali no seu programa.
Recordou Antônio Sales que a Padaria ficou tão conhecida que onde quer que ele
estivesse, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas ou no Rio Grande do Sul,
a pergunta foi sempre a mesma: É da Padaria? Tudo isso e muito mais, inclusive
o exame da produção dos padeiros, suas tendências ou correntes literárias,
suas convicções e atividades, está no delicioso livro já referido, cuja
leitura ilustra e diverte.
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(Endereço do Autor comentado: Rua Leonardo Mota, 10 80
60170-040 – Fortaleza – CE).
(06 de janeiro/2012)
CooJornal nº 769
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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