09/12/2011
Ano 15 - Número 765
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
|
Enéas Athanázio
A PIRAMBEIRA
|
|
Distante uns poucos quilômetros de Calmon, a Pirambeira é uma serra com
personalidade. Não que se destaque pela altura, que temos serras muito
mais elevadas, ou pelo tamanho, uma vez que outras existem na região
ocupando espaços mais avantajados. Também não é pelo formato, algo
retangular, que ela se impõe. Ela se destaca, na verdade, por dois fatos,
um de natureza histórica e outro de fundo acústico. Mas existirá fato de
fundo acústico? – indagará com razão o eventual leitor. Pois tentarei me
explicar.
Pelo lado direito da Pirambeira, no sentido norte-sul, corriam os trilhos
da Rede Viação Paraná-Santa Catarina, a ferrovia que ligava a região sul
ao centro do país. Encostados no paredão de pedra, recoberto de espessa
cobertura verde, os trilhos acompanhavam as curvas da serra, como se a
envolvessem num início de abraço que nunca se fechava, uma vez que mais
adiante tomavam outro rumo. Na sua passagem, porém, os velhos trens
pareciam martelar com mais força o aço de seus trilhos. Esse martelar
ecoava naquele paredão e repercutia na baixada, tomando tal intensidade
que se ouvia com perfeição em Calmon, cuja estação estava sempre povoada
de curiosos que lá se juntavam para ver a passagem do trem. Trilhando
aquele caminho, os trens pareciam se anunciar à distância, enviando como
vanguarda aqueles sons cantantes e encadeados. Não bastasse isso, os
velhos maquinistas, artistas no manuseio do apito, somavam ao matraquear
dos trilhos o choro das locomotivas, em apitos sextavados ou oitavados,
conforme o horário e o tipo da composição que se anunciava. E assim, no
correr dos anos e na sucessão das gerações, a Pirambeira se fixou na
memória dos habitantes à cantilena dos apitos e dos trilhos, conquistando
destaque na história local graças a esse fundo acústico. Com a extinção da
ferrovia, a Pirambeira silenciou e hoje se reveste de uma floresta ainda
mais densa e verdejante. Tornou-se, dizem, o refúgio da fauna escorraçada
pelas plantações de pinus.
Mas a Pirambeira se impõe ainda pelo fundo histórico. É testemunha ocular
e insuspeita dos mais dramáticos episódios da Guerra do Contestado, e,
mais ainda, a única que presenciou o monumental incêndio da Vila de Calmon
pelos jagunços revoltosos. Quando a serraria ardeu, com as imensas
labaredas saltando de suas pilhas de toras e madeiras, todo o sertão se
iluminou e as noites clarearam como se o próprio dia continuasse. E a
Pirambeira, ali tão perto, refletia em suas penedias o clarão espantoso
que invadiu o sertão, afugentando seus moradores, humanos e animais, e,
quem sabe, até alguns fantasmas temerosos de tanta luz. Tudo a Pirambeira
poderá contar, bastando que o interessado tenha ouvidos para saber ouvir.
Em minha recente visita a Calmon, andei ao pé da Pirambeira, contemplando
sua massa retangular desenhada contra o céu azul. Imaginei o que poderia
com ela aprender e suspeito que ela tenha comentado em silêncio, de si
para si: “Eu te vi menino, passando por aqui. Testemunhei boa parte de tua
juventude.” - E depois, emocionada: “Fico agradecida pela tua visita!”
(09 de dezembro/2011)
CooJornal no 765
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados
|
|