02/12/2011
Ano 15 - Número 764
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
EVOCAÇÃO DA CIDADE AMADA
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Tenho admiração pelas pessoas que amam sua cidade e a ela se apegam cada
vez mais. Na minha índole andarilha, de nômade contido pelas
circunstâncias, nunca me apeguei a qualquer das cidades onde residi e
várias delas não passaram de acampamentos à beira do caminho. Daí talvez a
minha intensa admiração pelo livro “As Ideias no Tempo”, de Cunha e Silva
Filho (Edição da Academia Piauiense de Letras – Teresina – 2010), que me
foi oferecido pelo próprio autor. Embora o livro seja muito mais amplo,
foi a primeira parte, evocando a cidade amada da infância, que mais me
tocou. É todo um capítulo do melhor memorialismo, repleto de sentimento e
de saudade. Teresina, a capital piauiense, é a grande personagem.
Depois de longa ausência, o escritor retorna à cidade e se põe a palmilhar
suas praças e ruas, como quem busca o tempo perdido. E nisso me faz
lembrar Hemingway e o receio que tinha de voltar aos lugares míticos da
infância e constatar que só existiam no sonho e haviam desaparecido no
passar do tempo. Procura, então, fixar em palavras as suas impressões e,
como é natural, mergulha no passado distante revolvendo as lembranças
retidas nos escaninhos da memória. Evoca os lugares que lhe eram caros, os
amigos anônimos da infância, as manhãs e as noites de Natal, a visita aos
presépios armados nas casas vizinhas, os uniformes escolares que tanto
significavam, a ausência dolorosa do pai e do irmão. E nessas andanças, às
vezes reais e outras tantas imaginárias, vai pensando sobre a cidade amada
e os efeitos inexoráveis do tempo. “Tudo mudou, como mudou a minha
fisionomia – escreve ele. – O tempo ali passado só a mim pertence. Só a
memória persiste no mais íntimo de meu ser. A cidade, no geral, tenta
escapar dos meus dedos. Fiquei estranho no meu próprio ninho” (p. 52). E
mais adiante, frente ao irremediável, conclui: “Cada geração tem a sua
Teresina. Eu tive a minha e ela está profundamente guardada, como um
tesouro encantado, na minha memória de adulto” (idem). Vencido pelo
cansaço, o caminhante fica parado e se põe a observar. “”Ninguém lhe
presta atenção. Todos os homens presentes lhe passam indiferentes. Como,
então, recuperar o tempo, as pessoas, as coisas, os sons, o cheiro, o
perfume, enfim, aquilo que somente existe no espólio da memória?” (p. 54).
Diferente, modernizada, crescida, no entanto, a cidade amada lá continua.
E a ela o autor dedica todo um capítulo que constitui verdadeiro poema em
sua homenagem.
Mas o livro não se esgota aí. É obra de cultura, erudição, pensamento.
Contém ensaios, resenhas, artigos e crônicas sobre os mais variados temas.
Entre os ensaios, três em especial merecem destaque, o primeiro sobre
Graça Aranha, autor que anda esquecido, e outro sobre a poética de Clóvis
Moura, em geral abordado como antropólogo, esquecendo-se sua poesia, e o
último sobre Drummond. Análises críticas abordam outros autores, como
Assis Brasil, O. G. Rego de Carvalho, A. Tito Filho, Francisco Miguel de
Moura, João Pinheiro, Carlos Alberto Gramoza, M. Paulo Nunes, Elmar
Carvalho, José Ribamar Garcia e o próprio pai, Cunha e Silva. A figura
paterna é evocada com ternura em várias crônicas pungentes, comentando
inclusive seus escritos de jornalista com longa militância. Considerações
sobre teoria literária, autores, livros, periódicos culturais e mil outros
assuntos recheiam a última parte a que denominou miscelânea.
Trata-se, enfim, de um livro que discute, ensina e faz pensar. Sua leitura
alarga nossos horizontes sobre a vida literária no país e, em especial,
sobre os que escrevem no Piauí.
(02 de dezembro/2011)
CooJornal no 764
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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