14/10/2011
Ano 14 - Número 757
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
O XARÁ CÉLEBRE
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Relendo trechos desse extraordinário livro que é “A Cidade
Antiga”, de Fustel de Coulanges, publicado pela Editora Martin Claret (S. Paulo
– 2008), deparei com as páginas que ele dedica ao mais célebre dos meus xarás, o
prodigioso Enéas (ou AEneas, em latim), o fundador da romanidade e personagem
central da “Eneida”, de Virgílio. Essa figura mítica vem despertando, ao longo
dos séculos, as mais curiosas reações. Existem aqueles que a endeusam como o
maior dos heróis e outros que se decepcionam diante de certas posturas por ela
tomadas na longa e penosa travessia dos mares em busca do lugar ideal para a
implantação da nova urbe. Mas Enéas sobrevive às críticas, tal como sobreviveu
às infindáveis aventuras, instiga imaginações e inspira uma imensa bibliografia,
publicada em todos os cantos do mundo.
Embora existam milhares de poemas exaltando fundadores de cidades, a “Eneida”
não desapareceu “porque, se o seu tema o fizera querido, a sua beleza o fez
admirado por todos os povos e em todos os tempos” – afirma o erudito historiador
(p. 155).
Enéas, prossegue o mestre, “fundou Lavínio, de onde se originaram os albanos e
os romanos e que, por isso, era considerado o primeiro fundador de Roma” (p.
156). Com a chegada dele foram transportados para lá os deuses de Tróia, fatos
que o poeta celebra em seus versos, o que acabou fazendo da “Eneida” o poema
nacional da cidade romana. E desde então o longo poema ingressou na literatura
para sempre, provocando incontáveis discussões, interpretações e estudos em
todas as épocas e lugares. Enéas, em consequência, é dos mais conhecidos
personagens das letras universais.
Sua personalidade, no entanto, tem provocado frequentes discussões e Fustel de
Coulanges não se nega a debater o assunto. Segundo ele, “há quem se queixe de
não encontrar em Enéas audácia, arrojo ou paixão.” Ele próprio se confessa
admirado ao “ver este guerreiro consultar os seus penates com desvelo tão
escrupuloso e, por qualquer motivo, invocar uma divindade, levantar os braços ao
céu quando se tratava de combater” (p. 156). Mal comparando, seria a atitude de
quem, diante do perigo iminente, preferisse balbuciar orações em vez de se
defender ou. . . correr. Mas acontece que meu famoso xará era um místico,
impregnado até a medula das crenças de sua época e, acima de tudo, colocado a
serviço dos deuses.
Mas é o próprio Fustel de Coulanges quem assume a defesa do personagem e
explica: “Não se trata aqui de guerreiro ou de um herói de romance. O poeta quer
mostrar-nos um sacerdote. Enéas é um chefe de culto, um homem sagrado, o divino
fundador cuja missão é salvar os penates da cidade” (p. 156). Na mesma noite em
que aconteceu a ruína de Tróia, Enéas recebe o pesado ônus de fundar uma nova
urbe e defender a todo custo os deuses troianos. No mesmo ato recebeu as coisas
sagradas, as estátuas protetoras e “o fogo do lar que não deve extinguir-se” (p.
157). Sob o peso de tão estupenda responsabilidade, Enéas se lança aos mares,
arrostando terríveis borrascas, vencendo incríveis obstáculos, inclusive
armadilhas femininas, e vai em busca do novo local em que imperará o mesmo
espírito troiano, ainda que a cidade material tenha desaparecido. Triunfando
sobre tudo, chegou afinal ao destino indicado pelos deuses e conquistou para
sempre um lugar de destaque na história humana através da poesia imorredoura de
Virgílio.
Entre os ensaios de brasileiros a respeito do príncipe troiano destaca-se o de
Antonio Candido, um dos maiores críticos literários brasileiros. Todas as
enciclopédias destinam substanciosos verbetes ao fundador da romanidade,
oscilando entre o endeusamento puro e simples e as veladas censuras acima
apontadas.
(14 de outubro/2011)
CooJornal no 757
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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