Enéas Athanázio
O CABOCLISMO DE CORNÉLIO PIRES
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O regionalismo é a corrente literária que procura acentuar as características de
determinada região, em especial aquilo que tem de diferente e pitoresco. Essa
corrente se desenvolveu em todas as regiões do país, inclusive aqui no Estado,
onde foi fundada por Tito Carvalho, tendo como seguidores Guido Wilmar Sassi,
Edson Ubaldo, Márcio Camargo Costa, Fernando Tokarski e eu próprio. Os demais
Estados sulinos também têm notáveis expoentes dessa corrente, como Simões Lopes
Neto, no Rio Grande do Sul, e Júlio Perneta no Paraná.
Dentro do regionalismo existem duas tendências por assim dizer exageradas ou
extremadas - o caipirismo e o caboclismo. São quase sempre formas populares do
regionalismo, exagerando no exótico e mesmo no ridículo do caboclo,
caricaturando-o. Para isso não hesitam em deturpar a própria linguagem com a
finalidade de adaptá-la à pronúncia cabocla, procurando aproximá-la ao máximo da
maneira falada pelo homem do interior. Nisso difere do verdadeiro regionalismo
porque este não deturpa as palavras, dosando o uso das expressões locais dentro
de uma linguagem correta. Outros autores transformam o caboclo em símbolo ou
herói nacional, o célebre caboclo forte e destemido, de camisa aberta ao peito e
chapéu esbatido na testa. É o caso do famoso “Juca Mulato”, de Menotti Del
Picchia, o poema mais publicado da literatura nacional. Entre os caipiristas ou
caboclistas destacaram-se Valdomiro Silveira, Cornélio Pires e Júlio Perneta,
para referir apenas os mais expressivos.
Cornélio Pires (1884/1958), nascido em Tietê, no Estado de São Paulo, teve uma
vida deveras movimentada, entregando-se a inumeráveis atividades, e publicou
numerosos livros, destacando-se como intérprete autêntico do caboclo, em
especial do vale daquele rio paulista, sempre presente em sua obra. Gravou uma
centena de discos e fez numerosas conferências. Seus contos, ou “causos”, são
típicas narrativas interioranas, retratando a vida do caboclo, seus usos e
costumes, suas lutas e seu trabalho e, acima de tudo, tentando registrar o modo
de falar daquele povo. Em suas histórias explora com perfeição a figura do
caboclo, suas ações e reações, alegrias e sofrimentos, seus gostos e seu modo de
vida. Não faltam momentos trágicos e carregados de humor. Afirma-se que suas
conferências, caricaturando o caboclo, eram divertidas e criativas.
Esquecido, como tantos escritores nacionais, Cornélio Pires acaba de receber
significativa homenagem da Confraria dos Bibliófilos do Brasil (CBB), entidade
que congrega os amantes do livro e tem sede em Brasília. Como o mais recente
título das Edições da Confraria, série paralela às publicações normais, deu a
público o volume “Risos e lágrimas e outros causos de Cornélio Pires”, antologia
reunindo dez contos selecionados do autor e com magníficas ilustrações especiais
de Natanael Longo de Oliveira. Em tamanho grande, com capa dura e sobrecapa, o
volume é esmerada obra gráfica, como costumam ser as edições da entidade. E os
contos nele reunidos constituem alguns dos melhores momentos da obra de Cornélio
Pires, revelando o conhecedor da gente retratada, o observador atento e
sensível, capaz de captar fiapos de vida que sabia transformar em histórias
interessantes e movimentadas. Alguns de seus personagens se tornaram conhecidos
e ganharam vida própria, entre eles Totó dos Campos, morador no Rio Acima, “home
bão inté ali, mas insuportave de genioso” e que, como “os home de otros tempo,
era mais brabo e esquentado.” E com tal temperamento, Totó dos Campos era capaz
das maiores brutalidades contra si próprio, muitas das quais ficaram gravadas na
memória coletiva e foram transportadas para o livro. Por tudo isso, a leitura de
Cornélio Pires é sempre viva e divertida.
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(07 de outubro/2011)
CooJornal no 756