Enéas Athanázio
UMA ENTREVISTA INTERESSANTE
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Importante revista de cunho cultural (*) publicou
substanciosa entrevista do Prof; Alfredo Bosi, conhecido crítico literário,
historiador da literatura e professor emérito da USP, além de autor de livros
muito conhecidos na área das letras. Depois de meio século de magistério,
período em que acompanhou passo a passo nosso desenvolvimento literário, ele
resume suas conclusões em respostas objetivas a perguntas bem formuladas. É uma
matéria merecedora de leitura e que justifica um comentário.
Entre os vários temas abordados, revela preocupação com os caminhos do ensino da
literatura no país por obra dos tecnocratas que abundam em todas as áreas.
Segundo ele, o “depois” foi colocado na frente do “antes”, de forma que o aluno
estuda os modernos e contemporâneos sem conhecer os anteriores, como se os novos
escritores aparecessem por geração espontânea ou brotassem do éter. Ora, cada
escritor é produto de um meio para cuja formação contribuíram os autores do
passado. Assim, explica o mestre, um Guimarães Rosa só foi possível graças a um
Euclides da Cunha, como este só foi possível graças a um José de Alencar e aos
outros do passado. Mas como nada pode ser feito para reverter a situação,
consola-se ao constatar, ao longo de meio século, que os bons alunos percebem a
situação e vão em busca de uma formação mais sólida e completa.
Relata ele que no início de sua carreira ainda existia o “culto” à Semana de
Arte Moderna, de 1922, movimento dos jovens que pretendiam revolucionar as
letras e artes, sepultando os “passadistas.” Naquele contexto existia a “guerra”
declarada entre os seguidores de Mário e de Oswald de Andrade, cada grupo
exaltando as virtudes de seu ídolo. Ainda que sem tomar partido nessa contenda,
conclui que Mário tinha mais conteúdo e sua obra é mais consistente, em especial
na prosa, ao passo que Oswald “era um escritor de lampejos, que dizia coisas
geniais no meio de piadas e de comentários sarcásticos”, não poupando a ninguém,
nem mesmo ao próprio Mário e aos estudantes de filosofia a quem apelidou de “chatoboys.”
Quanto à Semana, afirma que “em si mesma não produziu nada de notável, foi
apenas a explosão de jovens cuja finalidade era substituir o parnasianismo e a
cultura tradicional por uma cultura de vanguarda.” É difícil avaliar na
atualidade o que foi a luta entre modernistas e passadistas, um combate sem
tréguas, embora o modernismo esteja hoje incrustado na vida nacional de sorte
que ninguém mais estranha suas manifestações e convive em paz com obras de cunho
vanguardista. Mais tarde os concretistas descobriram Oswald de Andrade e seus
“poemas-minuto”, integrando-o ao movimento. Muitos modernistas só viriam a
produzir o melhor de sua obra bem mais tarde, mas é fato que o movimento abriu
as portas para uma profunda renovação de nossas letras e artes.
Em relação ao concretismo, surgido em 1956 em meio a intenso debate, afirma que
foi um movimento de poetas e críticos, “mas também um projeto de restaurar
certos valores e abater outros.” Reconhece, no entanto, o talento de seus
corifeus, como Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari,
analisando de passagem a obra de cada um. Não concorda, no entanto, com o
critério de criar a “paideia”, ou seja, o conjunto de autores que vale a pena
ler, inclusive porque pode levar a injustiças e lacunas. O concretismo, depõe o
mestre, parece ter exaurido a si mesmo, tanto que José Paulo Paes, referindo-se
às diversas publicações do grupo, teria exclamado: “Nossa, mas há trinta anos
que eles fazem a mesma revista!” Sua doutrina seria tão rígida e tão fechada
“que não dava para evoluir como teoria e, em consequência, eles não se
modificaram.” Seja como for, o concretismo conquistou espaço na história
literária e conta com poetas em atividade, inclusive neoconcretistas.
Estão aí algumas observações que me ocorrem à leitura da entrevista, um texto
que deveria ser lido por quantos se entregam a escrever e, acima de tudo, nas
salas de aula. Lendo-o, fico me indagando por que os jornalões e revistas aqui
do Estado nunca, jamais, em tempo algum estampam matérias desse quilate. Não sei
se subestimam os próprios leitores ou se conformaram com a condição de
periféricos em termos culturais. Que tristeza!
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(*) “Revista E”, publicação do SESC/SP, janeiro de 2010, págs. 10
a 14;
(30 de setembro/2011)
CooJornal no 755