Enéas Athanázio
ALGUMAS OBRAS DE PÉRICLES PRADE
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Tenho diante de mim diversos livros mais ou menos recentes
de Péricles Prade, um dos escritores mais versáteis e profícuos que conheço.
Cada um deles, de gênero diferente, mereceria um comentário especial mas, como
não é possível no momento, limitar-me-ei a algumas observações que me ocorrem,
iniciando pelos contos reunidos em “Correspondências – Narrativas Mínimas”
(Editora Movimento – P. Alegre – 20009).
O volume reúne 22 contos, todos curtos e alguns curtíssimos, extremamente
econômicos em palavras como, por sinal, anuncia o subtítulo. Abstraídas as
considerações de ordem teórica que a obra do contista tem suscitado, dessas que
poucos leem e muitos não entendem, o que prevalece nessas narrativas é a
surpresa, o inesperado, o estranho, o inusitado. Como regra, o leitor é apanhado
de surpresa diante do inverossímil e do desconcertante, embora tudo seja
apresentado no mesmo plano, sem que o autor estabeleça limites entre o real e o
imaginário, o surreal e o fantástico. Alguns exemplos talvez elucidem melhor o
que senti e pretendo dizer.
Em “Rabos de Tigre”, conto muito sintético, surge um tigre branco que, mesmo não
sendo o preferido do narrador, tem a singular característica de possuir três
rabos. O primeiro rabo é muito fino e delicado; o segundo é muito grosso e
indelicado. “O terceiro – conclui – não é muito fino e nem muito grosso. Lembra
chicote de couro rústico. Inclina-se ora à esquerda, ora à direita...” E quando
o leitor, curioso, se indaga da razão disso, lá vem a resposta desconcertante:
“sei o porquê mas não digo” (p. 26).
“Esconderijo” é outro caso típico (pp. 9/12). Nesse conto, que não é dos mais
curtos, o contista se superou. Sua imaginação fervilhante não encontrou limites
e semeou o texto de detalhes incríveis e insólitos que deram ao tema central,
objeto da história em si, um ar dos mais pitorescos. Nele o diabo, depois de
infernizar Lutero, vai a uma reunião de apreciadores de bons vinhos. Chega
adiantado e se esconde na rolha da garrafa do melhor dos vinhos disponíveis. O
Presidente da associação, desrespeitando as regras, “resolve colocar a garrafa
entre as pernas, furar a rolha com movimentos fortes e puxá-la de um só golpe.”
E então o incrível acontece: “Os degustadores tiveram a impressão de ouvir um
grito, mas, como estavam muito, muito alegres, limitaram-se a renovar o brinde,
sem perceber, nos resquícios da cortiça, minúsculos filamentos de miolos
flutuando no copo.”
O diabo, por sinal, assim como outras figuras abissais, são frequentadores da
ficção pradiana. Neste caso, ora aparece travestido de mulher, ora em forma de
mosca, ou ainda de jovem e aristocrático enólogo. Todos os contos deste livro
vão nessa linha, premiando o leitor com o inusitado das surpresas e desafiando-o
sempre a exercitar a imaginação.
Em “Pantera em Movimento – Breves poemas de muito amor” (Letras Contemporâneas –
Florianópolis – 2006), Péricles reúne um conjunto de breves poemas que, na
verdade, se constituem num só, impregnados de intenso sentido erótico e sensual.
São textos muito trabalhados, precisos e instigantes, e que fogem um pouco à
temática poética do autor, em geral voltada ao surreal e ao fantástico.
Versando gênero diverso, “”Revoluções Culturais” (Escrituras – S. Paulo – 2004)
enfrenta o difícil campo do ensaio relacionado à Filosofia, à Ciência, às
Tradições e às Letras. São cinco ensaios bem pensados, pesquisados e esmerados
nos quais o autor confirma sua reconhecida erudição e sua admirável
versatilidade. São textos que ilustram e instigam, enriquecendo a nossa
ensaística que, nestes últimos tempos, anda em baixa.
Por fim, uma palavra sobre “A Pintura de Sílvio Pléticos” (Letras Contemporâneas
– Florianópolis – 2010), magnífico livro-álbum em que o escritor, agora no
exercício da crítica artística, disseca a obra do conhecido pintor. É um
trabalho excelente e que dignifica a ambos.
(23 de setembro/2011)
CooJornal no 754