Enéas Athanázio
O EXÍLIO DO POETA
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Demitido da direção do Departamento de Cultura, por artes da
velha política miúda, Mário de Andrade entrou em fase de profunda angústia e
depressão que o acompanharia até a morte. Numa tentativa de melhorar o estado de
ânimo, mudou-se para o Rio de Janeiro, instalando-se no bairro do Catete e
lecionando na extinta Universidade do Distrito Federal. Embora tivesse bom
círculo de amigos, inclusive entre os jovens, e fosse um professor muito
estimado, os anos passados na antiga capital tiveram para ele o sentido de um
verdadeiro exílio. Longe dos familiares e do ambiente da morada da rua Lopes
Chaves, nada o agradava e sentia a melancólica sensação de “viver no ar.” Mas,
enquanto o retorno não acontecia, tratou de estudar, escrever, trocar uma
infinidade de cartas com amigos e realizar uma análise retrospectiva de sua
própria obra e dos resultados alcançados pelo Movimento Modernista, do qual foi
o grande líder e inspirador. Em ambos os casos seu julgamento foi rigoroso e o
levou a conclusões negativas.
É dessa fase da vida do poeta e suas atividades no período que trata o livro
“Mário de Andrade – A morte do Poeta”, de autoria de Eduardo Jardim (Civilização
Brasileira – Rio – 2005). Livro denso e pesquisado, tem como autor um dos
grandes conhecedores do assunto e discute com segurança o pensamento do poeta,
homem de grande inteligência e admirável cultura. Avaliando o Modernismo, Mário
examinava seus resultados sob três critérios: o direito permanente à pesquisa
estética, a conquista de uma consciência criadora nacional e a atualização da
inteligência artística brasileira.
Quanto ao primeiro critério, não resta dúvida de que o Modernismo triunfou.
Conseguiu libertar os artistas de regras rígidas então vigentes e permitiu novas
experiências criativas. Hoje ninguém se rebela contra um poema livre, uma tela
modernista, uma arquitetura inovadora. Pode-se afirmar mesmo que a partir de
1922 todos vivemos em contato diário com obras modernistas deste ou daquele
gênero. Em relação ao segundo critério, o movimento também venceu. O Modernismo,
em sua evolução, levou os artistas a olharem para a nossa realidade, explorando
as coisas nacionais, sem continuar copiando o que vinha de fora. Houve um
“processo nacionalizador”, tanto que hoje ninguém questiona o caráter nacional
de nossas artes, em especial da literatura. Surgiu um acentuado interesse pelo
folclore, pelos regionalismos, pelos ciclos econômicos e pelo modo de vida
brasileiro. Com referência ao terceiro critério, porém, Mário de Andrade
duvidava de seu sucesso. Para ele, o Modernismo havia sido apolítico, no sentido
de se ausentar das grandes questões nacionais e produziu uma obra inatual. Em
conseqüência, o conjunto das obras produzidas seria discutível, inclusive a dele
próprio, com a qual se declarava insatisfeito. “É melancólico chegar assim no
crepúsculo, sem contar com a solidariedade de si mesmo – dizia ele. – Eu não
posso estar satisfeito de mim...” (p. 101). Isso depois de realizar uma obra
volumosa e importante, nos mais diversos gêneros, e que provocou verdadeira
revolução na cultura nacional. Apesar do rigor do julgamento, no entanto, o
Movimento Modernista foi um dos mais influentes acontecimentos de nossa história
e contribuiu de forma decisiva para a formação do Brasil de hoje.
(16 de setembro/2011)
CooJornal no 753