Enéas Athanázio
ESCRAVIDÃO NUNCA MAIS!
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Com esse título, o advogado e professor Nelson Câmara
publicou um livro que é um painel completo da escravidão no Brasil e da tremenda
luta que foi necessária para extirpá-la (*). Depois de ampla e minuciosa
pesquisa, inclusive em arquivos, publicações antigas e vasta bibliografia, ele
construiu uma obra que, pelo que me lembro, não tem similar. Nas quatro partes
em que dividiu o livro, nenhum aspecto do espinhoso tema deixou de ser abordado.
“A escravidão no país”, “Os heróis da Abolição”, “A transição e consequências da
Abolição” e “As ações afirmativas” expõem e discutem todas suas facetas, desde
as históricas até os movimentos contemporâneos para debelar os efeitos
deletérios da escravidão. Sempre com grande quantidade de detalhes, datas,
fontes informativas, embasamento jurídico e depoimentos de pesquisadores de
renome.
A primeira forma de escravidão implantada no Brasil foi a do elemento indígena.
O colonizador viu nos índios uma fonte de mão de obra barata e abundante; tratou
de aprisioná-los para a realização de múltiplas tarefas. Mas ele desconhecia a
formação e a mentalidade dos nativos da terra e a experiência foi um retumbante
fracasso. Com sua visão europeia, considerava os índios vagabundos nada afeitos
ao trabalho, indisciplinados e fujões. Na verdade, porém, como sintetiza o
autor, “têm poucas necessidades, ou nenhuma, ou seja, não precisam de casa,
roupas e melindres de luxo, não possuem desejos ou vaidades sociais, nem ideia
de propriedade, tudo aquilo que se convencionou chamar de “necessidades” do
homem civilizado. Assim, se não precisam disso, não faria sentido que lutassem
por isso” (p. 27). Ademias, como lembram os antropólogos, eram nômades,
entregues à caça e à pesca, plantando pequenas lavouras de subsistência e sem
noção de poupança. Diante disso, tentar submetê-los a rígidas jornadas de
trabalho seria uma tarefa impossível. Não obstante, o colonizador insistiu nessa
prática e o processo de apresamento dos índios, - conclui o autor, - constituiu
um genocídio de proporções gigantescas, ainda não estudado de forma aprofundada
pelos historiadores (p. 25).
Os índios, no entanto, encontraram aguerridos defensores nos padres jesuítas. A
voz vibrante do Padre Vieira, desde o Maranhão, ecoava pelo país. As reduções,
porém, se tornaram facas de dois gumes; se, por um lado, protegiam os nativos,
por outro facilitavam seu aprisionamento pelos bandeirantes e caçadores de
índios em geral. Mas sobreveio a expulsão dos jesuítas e os infelizes donos da
terra ficaram entregues à própria sorte. A tenaz perseguição de que foram
vítimas dizimou uma população de milhões de pessoas reduzindo-a a milhares. De
norte a sul, os ignóbeis bugreiros fizeram a festa, inclusive aqui em nosso
Estado, em especial no Vale do Itajaí. Muito pesquisei e escrevi sobre Martinho
Bugreiro, o mais temido e organizado bugreiro da região, chefe de verdadeiro
esquadrão da morte com o qual atacava os indígenas em seus próprios aldeamentos.
Convencidos, afinal, de que os índios não se submetiam à escravidão, os
colonizadores se voltaram para o elemento negro. Os terríveis navios conhecidos
como tumbeiros começaram a cruzar o oceano carregados de infelizes aprisionados
à força em seu chão natal e trazidos aos milhões para serem vendidos como
“coisas” (res) ou “peças” nos abjetos leilões. E aí tem início a escravidão
africana no Brasil com seu infindável rol de barbaridades e que duraria por
séculos. Surgem, aos poucos, os defensores dos escravos e a luta contra a
escravidão toma corpo. Rui Barbosa, Castro Alves, Joaquim Nabuco e, de forma
especial, Luiz Gama se lançam na luta sem tréguas pela sua extinção, alcançada,
por fim, com a Lei Áurea. As consequências, porém, foram graves e se fazem
sentir até hoje, exigindo as ações afirmativas das pessoas conscientes. Tudo
isso e muito mais está relatado e discutido neste livro que é um manancial sobre
o assunto e merece detida atenção dos interessados em bem conhecer nosso país,
seus problemas e suas soluções.
(*) “Escravidão nunca mais!”, Nelson Câmara, S. Paulo, 2009
Editora Lettera-doc, Rua 7 de Abril, 2 3 5, Conj. 3 0 4.
(02 de setembro/2011)
CooJornal no 751