Enéas Athanázio
RUBEM BRAGA, O CRONISTA
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Segundo a melhor crítica, Rubem Braga (1913/1990) foi o maior cronista
brasileiro, só igualado ou superado por Humberto de Campos e Machado de Assis em
épocas anteriores. Ele elevou a crônica de jornal, até então colocada em plano
inferior, à condição de autêntico gênero literário. Como poucos, muito poucos,
sabia transformar qualquer fato mínimo em página de verdadeira poesia em prosa,
captando no ar o assunto cronicável que o comum das pessoas nem sequer percebia.
E graças a esse dom especial, conquistou inumeráveis leitores assíduos e
ardorosos. Depois dele, outros grandes cronistas se destacaram, lembrando-se
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Carlos Heitor Cony que
dominaram o gênero de que ele foi o grande precursor nos tempos modernos.
O inigualável talento do escritor capixaba está demonstrado, mais uma vez, no
livro “36 Crônicas de Rubem Braga”, que a Confraria dos Bibliógrafos do Brasil,
presidida por José Salles Neto e com sede em Brasília, publicou na primavera de
2009. É uma coletânea de crônicas, escolhidas a dedo entre o que ele produziu de
mais significativo em sua obra e a 24ª. publicação da entidade brasiliense. Como
sempre, é um volume em tamanho grande, com sobrecapa e caixa, produzido de forma
artesanal e com todos os requisitos da mais esmerada técnica empregada na
feitura de obras especiais. E tem o detalhe significativo de ter sido ilustrado
por Millôr Fernandes, o mais que conhecido artista plástico e escritor, que
produziu para o livro um punhado de excelentes desenhos e assinou um
interessante prefácio – “A última vez que vi Rubem Braga.”
Entre as crônicas estão algumas das melhores páginas já produzidas no gênero, às
vezes irônicas, bem humoradas, melancólicas ou trágicas como as que escreveu do
palco da II Guerra Mundial, onde se encontrava como correspondente. Uma simples
aula de inglês, o voo de uma pequena borboleta amarela perdida no centro da
cidade, o anoitecer de um domingo qualquer, o banho de praia de uma viúva
recente, um almoço mineiro e até um pé de milho se convertem em temas que ele
maneja e transforma em casos absorventes. Algumas, no entanto, se colocam em
nível superior a partir do título. Assim acontece com “A primeira mulher do
Nunes”, pessoa que não conheceu e a respeito de quem ouviu incontáveis elogios
em face de sua beleza. Até que um dia, entrevendo num banco de praça uma bela
mulher, deu largas à imaginação e materializou nela a decantada primeira mulher
do Nunes. Também “Os trovões de antigamente”, de fundo memorialista, recua as
lembranças aos dias de menino e recorda as histórias ouvidas segundo as quais os
trovões eram provocados por São Pedro quando fazia suas mudanças e arrastava
pesados móveis no chão, história que corria em todo o país. E desde então,
ouvindo trovões, ele imaginava o porteiro do céu empurrando pesadões móveis de
madeira maciça. Para concluir, a lembrança do leiteiro, naqueles tempos em que o
leite era levado a domicílio. Ouvindo batidas na porta, alguém atendia e gritava
para dentro: não é ninguém, é o leiteiro! Até que o próprio, diante de tanta
repetição, batia na porta avisando que o leite havia chegado e gritava: não é
ninguém, é o leiteiro! Pela força da repetição, ele mesmo assumiu a condição de
ninguém.
E nessa toada vai Rubem Braga, como que agarrando o leitor pela gola,
impedindo-o de largar o livrão, ainda que sinta os braços cansados. A publicação
da Confraria, revestida de tantas galas, é um presente ao leitor e grande
homenagem ao emérito cronista.
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Confraria dos Bibliófilos do Brasil – Caixa Postal 8 6 3 1
70312-970 – BRASÍLIA – DF
(12 de agosto/2011)
CooJornal no 748