17/06/2011
Ano 14 - Número 740
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
VIDA E MORTE REPENTINA
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Bem diz o povo, em sua sabedoria de experiência feita, que a morte é a única
certeza. Na verdade ela nos cerca de todos os lados, fazendo de cada um de nós
uma ilha de sobrevivência. Como esse inelutável fenômeno natural acontece com
frequência, vamos nos acostumando com ele, salvo quando nos atinge de maneira
direta, levando familiares ou amigos. Quando isso acontece, morremos um pouco
com a pessoa querida; ela leva um pouco de nós. Por mais que se discuta sua
natureza, ela é sempre um fato chocante, feio e triste, pelo menos para os que
ficam. Por outro lado, é extremamente justa e implacável: todos são iguais
perante ela, sejam pobres ou ricos, feios ou bonitos, importantes ou anônimos,
sábios ou ignorantes. Como dizia Otto Lara Resende, é a única entidade
absolutamente insubornável.
Esse intróito funéreo, porém, tem sua razão de ser. É que a Parca, nestes
últimos tempos, tem sido impiedosa com o meio literário nacional, devastando-o
de numerosos valores, tanto de longe como de perto. A ausência de cada um deles,
a seu modo, empobrece a vida cultural e literária do país, já de si claudicante
nestes dias bicudos que vivemos.
Moacyr Scliar, um dos romancistas contemporâneos mais conhecidos e aclamados
pela crítica, partiu em meio a estranho silêncio, em Porto Alegre. Seu
internamento aconteceu sem alarde e a notícia do falecimento se espalhou em
surdina. Médico sanitarista, pertencia à Academia Brasileira de Letras e foi
autor de vasta obra, tanto na ficção como em outros gêneros. Colunista da “Folha
de S. Paulo”, era pessoa simpática e acessível. Dentre seus livros, tenho
especial admiração pelo romance “A Majestade do Xingu”, no qual focaliza, de
maneira ficcional, a figura do antropólogo Noel Nutels, defensor aguerrido dos
indígenas e que tinha o curioso hábito de colecionar inscrições de banheiros
públicos. Também me agradou muito seu ensaio “A Cara do Mal”, onde abordou
Cesare Lombroso e suas curiosas ideias sobre o criminoso nato.
Outro que viajou antes do combinado – como gosta de dizer Rolando Boldrin - foi
o mineiro Zanoto (José de Souza Pinto). Editor da página literária “Diversos
Caminhos”, publicada por um grande jornal de Minas Gerais, conseguiu mantê-la
por 45 anos, fato que constitui verdadeiro recorde no país, onde iniciativas do
gênero costumam morrer do mal do sétimo número. A página de Zanoto funcionava
como uma espécie de ponto de encontro dos escritores e poetas nacionais; ali
todos apareciam, fossem do norte ou do sul, do leste ou do oeste. Graças ao
empenho e à generosidade dele, fui assíduo frequentador de sua página e nela
saíram incontáveis trabalhos meus.
Em São Paulo, desapareceu meu dileto amigo Carmello Chamorro. Cronista, poeta,
tradutor do espanhol, foi considerado o maior colecionador de jornais do país,
um gazetofilista obstinado. Sua coleção era objeto do interesse de
universidades, escolas e pesquisadores. Conhecia como poucos a vida cultural
paulistana e foi sempre um companheiro incansável nas nossas andanças pela
capital e pelo interior. Foi autor do livro “60 Anos de São Paulo.” Dom Carmello,
como o tratávamos, fará muita falta.
Aqui no Estado a perda foi imensa. Partiu Lauro Junkes, professor de Teoria
Literária da UFSC, presidente da Academia Catarinense e o mais dedicado
pesquisador de nossa literatura. Sua crítica constituía uma espécie de batismo;
sem ela nenhum autor catarinense penetrava para valer no meio literário.
Ensaísta, crítico, cronista, articulista e conferencista, foi imenso o serviço
que prestou às letras e à cultura.
Para encerrar o rol dos que passaram para o outro lado do mistério, segundo
mestre Machado, perdemos Abel. B. Pereira, bom e simpático amigo. Poeta, editou
por longos anos a revista “A Figueira” e foi entusiasmado agitador cultural.
(17 de junho/2011)
CooJornal no 740
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
Direitos Reservados
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