Enéas Athanázio
VIDA E MORTE REPENTINA
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Bem diz o povo, em sua sabedoria de experiência feita, que a morte é a
única certeza. Na verdade ela nos cerca de todos os lados, fazendo de cada
um de nós uma ilha de sobrevivência. Como esse inelutável fenômeno natural
acontece com frequência, vamos nos acostumando com ele, salvo quando nos
atinge de maneira direta, levando familiares ou amigos. Quando isso
acontece, morremos um pouco com a pessoa querida; ela leva um pouco de nós.
Por mais que se discuta sua natureza, ela é sempre um fato chocante, feio e
triste, pelo menos para os que ficam. Por outro lado, é extremamente justa e
implacável: todos são iguais perante ela, sejam pobres ou ricos, feios ou
bonitos, importantes ou anônimos, sábios ou ignorantes. Como dizia Otto Lara
Resende, é a única entidade absolutamente insubornável.
Esse
intróito funéreo, porém, tem sua razão de ser. É que a Parca, nestes últimos
tempos, tem sido impiedosa com o meio literário nacional, devastando-o de
numerosos valores, tanto de longe como de perto. A ausência de cada um
deles, a seu modo, empobrece a vida cultural e literária do país, já de si
claudicante nestes dias bicudos que vivemos.
Moacyr Scliar, um dos
romancistas contemporâneos mais conhecidos e aclamados pela crítica, partiu
em meio a estranho silêncio, em Porto Alegre. Seu internamento aconteceu sem
alarde e a notícia do falecimento se espalhou em surdina. Médico
sanitarista, pertencia à Academia Brasileira de Letras e foi autor de vasta
obra, tanto na ficção como em outros gêneros. Colunista da “Folha de S.
Paulo”, era pessoa simpática e acessível. Dentre seus livros, tenho especial
admiração pelo romance “A Majestade do Xingu”, no qual focaliza, de maneira
ficcional, a figura do antropólogo Noel Nutels, defensor aguerrido dos
indígenas e que tinha o curioso hábito de colecionar inscrições de banheiros
públicos. Também me agradou muito seu ensaio “A Cara do Mal”, onde abordou
Cesare Lombroso e suas curiosas ideias sobre o criminoso nato.
Outro
que viajou antes do combinado – como gosta de dizer Rolando Boldrin - foi o
mineiro Zanoto (José de Souza Pinto). Editor da página literária “Diversos
Caminhos”, publicada por um grande jornal de Minas Gerais, conseguiu
mantê-la por 45 anos, fato que constitui verdadeiro recorde no país, onde
iniciativas do gênero costumam morrer do mal do sétimo número. A página de
Zanoto funcionava como uma espécie de ponto de encontro dos escritores e
poetas nacionais; ali todos apareciam, fossem do norte ou do sul, do leste
ou do oeste. Graças ao empenho e à generosidade dele, fui assíduo
frequentador de sua página e nela saíram incontáveis trabalhos meus.
Em São Paulo, desapareceu meu dileto amigo Carmello Chamorro. Cronista,
poeta, tradutor do espanhol, foi considerado o maior colecionador de jornais
do país, um gazetofilista obstinado. Sua coleção era objeto do interesse de
universidades, escolas e pesquisadores. Conhecia como poucos a vida cultural
paulistana e foi sempre um companheiro incansável nas nossas andanças pela
capital e pelo interior. Foi autor do livro “60 Anos de São Paulo.” Dom
Carmello, como o tratávamos, fará muita falta.
Aqui no Estado a perda
foi imensa. Partiu Lauro Junkes, professor de Teoria Literária da UFSC,
presidente da Academia Catarinense e o mais dedicado pesquisador de nossa
literatura. Sua crítica constituía uma espécie de batismo; sem ela nenhum
autor catarinense penetrava para valer no meio literário. Ensaísta, crítico,
cronista, articulista e conferencista, foi imenso o serviço que prestou às
letras e à cultura.
Para encerrar o rol dos que passaram para o outro
lado do mistério, segundo mestre Machado, perdemos Abel. B. Pereira, bom e
simpático amigo. Poeta, editou por longos anos a revista “A Figueira” e foi
entusiasmado agitador cultural.
Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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Direção e
Editoria
Irene Serra

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