03/06/2011
Ano 14 - Número 738
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
MORTE E VIDA PEREGRINA
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Como me faltam o engenho e a arte de João Cabral, exibidos na grandeza de “Morte
e vida severina”, contento-me com a expressão peregrina porque, afinal, outra
coisa não tenho feito a não ser peregrinar em busca das palavras. E elas
costumam ser arredias quando se exige que retratem com exatidão nosso
pensamento, tanto que – como dizia Baudelaire – elas precisam ser afagadas e
acariciadas para que não se escondam. Esse intróito todo, porém, tem o objetivo
de dizer que nessa peregrinação atrás das palavras está o meu (mau) costume de
ler os obituários dos jornais, hábito que vem de longe e que tem me propiciado
inúmeras surpresas, algumas delas bem desagradáveis, como encontrar na lista dos
falecidos pessoas conhecidas de nome ou mesmo em carne e osso.
Em obituários recentes, por exemplo, tomei conhecimento de que o escritor
paranaense Wilson Bueno foi assassinado a facadas no sobrado onde residia, no
bairro Santa Cândida, em Curitiba. Estava com 61 anos de idade e foi autor,
entre outros, dos livros “A copista de Kafka” e “Mar Paraguayo”, que foram bem
aceitos e lhe deram notoriedade. Foi uma tragédia entre tantas outras que
ocorrem nestes dias alucinados e que provocou grande consternação nos meios
literários. Ele não merecia tão bárbara agressão, como, aliás, ninguém a merece.
Segundo o noticiário, não há pistas dos criminosos e nem se conhecem os motivos.
Embora não o conhecesse em pessoa, lamentei a perda de um colega de ofício neste
país em que o escritor e tão pouco valorizado.
Wilson Bueno criou e editou o suplemento literário “Nicolau”, hoje extinto, e
que surgiu, como os congêneres em geral, com a pretensão de revolucionar a
literatura e, como também costuma acontecer, acabou se tornando mais uma das
muitas “panelinhas” que têm surgido no mundo literário. Não teve o apoio de que
necessitava para sobreviver e nem encontrou número de leitores que o
sustentassem. Desapareceu sem deixar muitas lembranças.
Voltando aos obituários, tenho observado que a maioria das pessoas está
“passando para o outro lado do mistério” – como dizia mestre Machado – com mais
idade, isto é, não têm partido antes do tempo, embora ninguém concorde em que é
chegado seu tempo. Naqueles que tenho diante dos olhos, enquanto escrevo,
observo que a maioria dos que viajaram para a Cidade dos Pés Juntos estava na
faixa entre os 70 e os 90 anos, ou seja, bem acima da média nacional. Havia até
uma senhora de nome Maria que contava 100 anos redondos, o que também é
raridade, uma vez que as pessoas quase nunca morrem em idades fechadas ou
completas, como se costuma dizer. Quatro pessoas estavam na faixa dos 60 anos,
idade considerada perigosa e na qual têm perecido vários amigos meus e pessoas
de que tomei conhecimento através de leituras. Destoando da média, havia um com
22 anos e que partiu ainda solteiro, deixando apenas os pais. Alguns deixaram
prole numerosa, como uma senhora Adeilda, que teve nove filhos, embora contasse
com 61 anos. Já uma Maria do Carmo não ficou longe e deixou oito filhos. Estava
com 91 anos e seus filhos já deveriam estar bem maduros. A maioria deixou
descendência, cumprindo a determinação do crescei e multiplicai-vos.
A discrepância nas idades nos leva a indagar a razão pela qual uns vivem tanto e
outros desaparecem tão cedo, onde está a lógica que se insere nisso, se existir,
e qual o mistério que a encobre. Aliás, é uma das muitas perguntas para as quais
a vã filosofia humana nunca encontrou resposta e que desdenha de toda a
presunçosa ciência. Abstraída a fé religiosa, tem lugar uma outra pergunta: por
que viemos a um lugar que não pedimos, sem ser consultados, e que constitui um
beco sem saída, ou melhor, com uma única saída?
(03 de junho/2011)
CooJornal no 738
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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