27/05/2011
Ano 14 - Número 737
ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio
O nascimento de Obama
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Se não fosse o Brasil, o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não
teria nascido. Essa é a tese sustentada pelo escritor e jornalista Fernando
Jorge em seu mais recente livro: “Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama
teria nascido” (Novo Século Editora – S. Paulo – 2010). Segundo ele, a mãe do
presidente, Stanley Ann Dunham, moça criada na rígida disciplina de uma família
conservadora, mas muito romântica e de espírito independente, então com
dezesseis anos de idade, assistiu ao primeiro filme estrangeiro de sua vida e
ficou deslumbrada com o que viu. Tratava-se de “Orfeu Negro”, dirigido por
Marcel Camus, irmão do escritor argelino Albert Camus, baseado na peça “Orfeu da
Conceição”, de autoria do poeta brasileiro Vinicius de Moraes, e que tinha no
papel principal o ex-jogador de futebol Breno Mello. Afirmava a moça que “esse
filme havia sido a coisa mais bonita que ela tinha visto na sua vida.” No ano
seguinte, Ann foi para o Havaí com a finalidade de cursar a universidade, e lá
conheceu um rapaz africano, natural do Quênia, de nome Barack Hussein Obama, de
vinte e três anos de idade, pelo qual se apaixonou. Afrontando oposições e
preconceitos, por ser um casamento interrracial, a jovem loira e o rapaz negro
se casaram em 1960. Dessa união, que não teve muita duração, nasceu o atual
presidente americano.
Concluiu o autor, com base em princípios de psicologia, que a jovem americana
viu em Barack Hussein Obama, o pai do presidente, o seu Orfeu, e desejou ser a
sua Eurídice, tal como acontecia no filme. É que o moço do Quênia e o ator do
filme eram tão parecidos que poderiam ser considerados quase sósias. No seu
incurável romantismo, talvez Ann exagerasse na semelhança entre os dois. Obama
seria, para ela, uma transposição do ator Breno Mello. Em consequência, o poeta
brasileiro foi, de forma indireta, o causador do nascimento do presidente
americano e, mais que isso, de inovação sem precedentes na história dos Estados
Unidos ao eleger um negro para a presidência, e do mundo, pelas implicações daí
decorrentes. Por tudo isso, escreve Fernando Jorge, a gratidão de Obama ao
Brasil não deve e nem pode ter limites.
Só o reconhecido faro de Fernando Jorge para o jornalismo investigativo poderia
tê-lo levado a tão surpreendente conclusão. Mas o fato é que os indícios por ele
apresentados são inúmeros e sustentam com êxito a sua tese. Para tanto ele
rebuscou a história da família e encontrou um precedente na atitude da própria
mãe de Ann e avó de Barack, Madelyn Payne, que se casara escondida com Stanley
Dunham, “jovem aventureiro da vizinha da cidade de Eldorado.” Não obstante
integrasse uma família metodista, que nunca deixava de ir à igreja aos domingos,
era contrária ao jogo, às danças, às bebidas alcoólicas, à liberdade sexual e
fosse fiel seguidora da religião, Madelyn foi considerada excêntrica e rebelde.
Constituía uma audácia casar às ocultas com um jovem tido como aventureiro e que
pertencia a outra religião, em pleno Estado de Kansas, onde vicejava a flor dos
preconceitos, inclusive o racial. Talvez inspirada no exemplo da própria mãe,
Ann não agasalhava tais preconceitos e os ignorou quando decidiu casar com o
queniano. “O ceticismo, o desrespeito aos valores consagrados, a repulsa pelo
código da moral burguesa, características dessa juventude, marcaram de forma
profunda a mãe de Barack Obama” – escreve o autor. O casamento, no entanto, não
teve longa duração e Barack Obama pouco conviveu com o pai, falecido num
acidente de carro.
Mas Fernando Jorge não fica nisso. Com sua reconhecida erudição e inacreditável
memória (lembra uma enciclopédia computadorizada), esquadrinha muitos outros
aspectos, espalhando informação e cultura a granel. Dedica todo um capítulo ao
preconceito e ao ódio racial contra o negro nos Estados Unidos; estuda o filme
“Orfeu Negro” e a peça em que se inspirou; focaliza as reações de Barack Obama
em relação a esses fatos e sua vida em companhia da mãe; discorre a respeito de
Vinicius de Moraes, sua vida e sua obra; examina o relacionamento dos Estados
Unidos com o Brasil e a antiga cobiça americana pela Amazônia; estuda o racismo
em relação a Obama e encerra comentando as relações entre Estados Unidos e
Brasil. Para ele, o maior perigo que ronda o presidente americano é o racismo.
Grupos radicais que não suportam a ideia de ser presididos por um negro e que
tudo farão para perturbar sua gestão, colocando em perigo até mesmo sua vida,
como aconteceu com vários presidentes americanos no passado, alguns vítimas de
atentados e outros assassinados. Tudo, enfim, é pretexto para lições de
história, de sociologia e de literatura, além de depoimentos e informações.
Entre estas, a notícia de que o presidente Kennedy foi um dos interessados na
derrubada do presidente João Goulart. Posava de democrata e inspirava a
ditadura. O livro contém farta iconografia e documentação.
Concluindo: é uma leitura instigante e que merece a melhor atenção.
(27 de maio/2011)
CooJornal no 737
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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