09/04/2011
Ano 14 - Número 730
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
ABALO SÍSMICO
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Costuma-se dizer que o surgimento da obra de Guimarães Rosa (1908/1967)
provocou verdadeiro abalo sísmico na literatura nacional, só comparável ao
causado pela publicação de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, cerca de
meio século antes. Exagero ou não, o fato é que desde então o escritor
mineiro nunca deixou de ser discutido, analisado, aprovado e condenado e,
acima de tudo, lido. Tudo que lhe diz respeito tem sido examinado,
vasculhado, esquadrinhado e rebuscado, resultando daí uma fortuna crítica
imensa e que não cessa de crescer.
Como exemplos desse interesse, acabo de encontrar em importante revista
literária (*) dois curiosos ensaios a respeito do autor de “Grande Sertão:
Veredas.” Carmen Schneider Guimarães examinou o significado das veredas,
veredazinhas e buritis na obra do escritor, baseada em opiniões de
intérpretes e dele próprio em suas cartas e outras manifestações. Os
buritis são uma pequena árvore, espécie de palmeira, comum nos Gerais
mineiros, pelas quais o romancista nutria especial simpatia e sobre elas
discorria com conhecimento, inclusive para orientação dos tradutores.
Quanto às veredas, são aqueles vales que existem entre duas chapadas,
separando-as, uma espécie de senda, caminho ou direção, segundo os
dicionários. Em nossos Campos Gerais creio que seriam as canhadas, isto é,
aquelas baixadas que existem entre duas coxilhas ou colinas campeiras.
Essas veredas servem de caminho para o viajante e o campeiro que anda pelo
sertão. “São vales de chão argiloso ou turfo-argiloso, onde aflora a água
absorvida, – escreveu ele – onde o chão é tão poroso que a chuva nele se
infiltra rapidamente, sem deixar vestígios” (pág. 200). Ali não medra
nada, exceto grama grosseira e arvoredo retorcido de cerrado. Concluindo,
parece o caminho ideal para andanças sertanejas. Em seguida a ensaísta
analisa o significado do que seja o verdadeiro sertão, usando para tanto
as palavras o personagem Riobaldo, o jagunço-filósofo em seu incansável
relato ao interlocutor não identificado. E por fim discute a correta
designação para a obra do escritor: seria “roseana” ou “rosiana”? Idêntica
discussão surgiu a respeito de Monteiro Lobato: lobateano ou lobatiano? Os
puristas optam pela primeira, o uso parece ter consagrado a segunda.
João Baptista da Silva, em ensaio mais encorpado, pesquisa o aspecto
telúrico na obra de Rosa e busca características sertanejas em sua
personalidade. Quanto ao primeiro aspecto, conclui sem sombra de dúvida
que o escritor sofreu nítida influência de uma região, no caso
Cordisburgo, qualificando-o como o expoente máximo do regionalismo
mineiro. No que se refere ao segundo aspecto, mergulha na personalidade do
romancista em busca de traços sertanejos. E chega à conclusão de que,
apesar de médico e diplomata, afeito aos palácios, cosmopolita, sempre
trajado de forma impecável e usando a gravatinha borboleta que tanto o
marcou, Guimarães Rosa foi sempre um sertanejo. A lealdade à terra natal,
o respeito pelos pais, a religiosidade caseira, o amor extremado pela
prole, o afeto pelos velhos amigos e o sentimento nostálgico de que a
verdadeira casa está no lugar de origem seriam elementos psicológicos
definidores do sertanejo que sempre foi, ainda que envolto na capa
diplomática. “Está aí o sertanejo. Em corpo, alma e bagagem. Não há como
não vê-lo tal: o telúrico Guimarães Rosa” – arremata o ensaísta (pág.
246).
Rememorando as palavras da filha mais velha do escritor, imagino que ela
não concordaria com tal conclusão. Em conhecido vídeo a respeito do pai,
ela afirma que o romancista pouco ou nada conhecia do sertão, de onde se
conclui que tudo seria criação de gabinete. Isso, para mim, se afigura
impossível.
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(*) Revista da Academia Mineira de Letras, Vol. LIII,
jul/ag/set/2009, págs. 199 e 233.
(09 de abril/2011)
CooJornal no 730
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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