19/03/2011
Ano 14 - Número 727
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
STEFAN ZWEIG
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Ando relendo com prazer as memórias do escritor austríaco Stefan Zweig
(1881/1942), figura ligada ao nosso país, autor do célebre livro “Brasil,
país do futuro”, como também por ter residido em Petrópolis, onde faleceu
e foi sepultado. “O mundo que eu vi” (Editora Record – 1999 - Tradução de
Lya Luft) é a obra de um homem cosmopolita, perseguido pelos nazistas, que
vai fugindo pela Europa, de país em país, até que vem parar no Brasil do
Estado Novo, onde põe fim à vida em companhia da esposa. Escritor dos mais
populares e traduzidos em todo o mundo, colecionador de autógrafos e
preciosidades literárias, foi aos poucos forçado a tudo abandonar para
sobreviver à implacável caça aos judeus promovida pela monstruosa “solução
final.” Logo na introdução ele se revela um ser que perdeu as raízes, sem
um chão onde pisar, sem ter para onde retornar e que se viu obrigado a
abandonar tudo que lhe era caro. Por mais andarilho que seja alguém, há de
ter um recanto que seja seu lar, sua casa, seu ponto de apoio, onde desfaz
as malas, relaxa as tensões e põe as ideias no lugar. Para ele, no
entanto, tudo isso foi negado. Seus magníficos livros, suas músicas
preferidas, a extraordinária coleção de preciosidades que juntou ao longo
da vida, tudo se perdeu, se espalhou, se dissolveu, foi parar em mãos
desconhecidas.
Em linguagem nostálgica, ele começa por recordar a infância e a juventude
na Viena do esplendor cultural, da música clássica, do grande teatro e da
esmerada literatura. Um mundo sereno, organizado, onde tudo parecia seguro
e sólido, erigido em pedra e cal. Um reino com classes sociais definidas,
oportunidades para todos, onde os judeus viviam em paz, livres de
preconceitos e perseguições, isentos de qualquer temor do futuro e sem
imaginar o que aconteceria com a ascensão de Hitler na Alemanha. Entregue
às atividades escolares e à dominante inclinação literária, frequenta os
rigorosos colégios da época, com seus professores duros e distantes,
dentre os quais nenhum lhe deixa marcas. São anos tristes e monótonos,
repletos de obrigações e normas, e deles não guardará saudades. Para
compensar, vem o doutorado em Filosofia em Berlim, quando têm início suas
intensas andanças pela Europa. É a fase dos deslumbramentos, das grandes
descobertas, das intensas leituras e do conhecimento de expoentes do mundo
cultural.
Entre as múltiplas personalidades com que cruza, algumas o impressionam de
forma profunda e jamais serão esquecidas. Hugo von Hoffmannsthal é a
primeira delas. Ainda garoto, algo desajeitado, com as calças muito curtas
e a voz infantil, seu gênio a todos fascina. “Além de Keats e Rimbaud, -
escreveu Zweig – não conheço nenhum exemplo de semelhante infalibilidade
no domínio da língua, nem tamanha vivacidade, nem essa impregnação de
substância poética até na frase mais casual como nesse gênio grandioso que
já aos 16 ou 17anos se inscreveu nos anais eternos da língua alemã com
seus versos inapagáveis e sua insuperável prosa” (pp. 67/68). Apesar de
todo seu entusiasmo, porém, o grande poeta anda relegado a triste
esquecimento. Outra figura que o marcou e cujas mãos o introduziram na
grande imprensa cultural foi Theodor Herzl, o iniciador do sionismo. Era o
redator do caderno cultural do maior jornal da cidade e o jovem Zweig,
inchando-se de coragem, vai procurá-lo na redação. E recorda: “Foi o
primeiro homem de importância histórica mundial que encontrei – sem saber
que monumental mudança no destino do povo judeu e na história de nosso
tempo ele seria convocado a criar” (p. 129). O redator não apenas recebeu
com simpatia o escritor imberbe, como publicou seu trabalho e se tornou
amigo pelo resto da vida. Quanto à importância de Herzl, seu movimento e
consequências, são fatos da história contemporânea. Duas outras figuras,
ambas de aceitação mundial, o marcaram a fundo: Emile Verhaeren e Rainer
Maria Rilke. Tornou-se tradutor da obra do primeiro para o alemão; ao
segundo dedicou páginas e páginas de genuína admiração. Ligou-se aos dois
por uma amizade permanente. Segundo afirma, Rilke foi nômade. Não tinha
casa, nem endereço, nem moradia fixa, nem emprego, estava sempre a caminho
e nem ele próprio sabia para onde iria (p. 176). Não cessa aí, porém, o
grande desfile e numerosos vultos poderiam se acrescentados.
Mas sobreveio a guerra, a mortandade, o ódio racial, a perseguição sem
trégua. O mundo, antes percorrido com interesse, se tornou pequeno e só
restava a fuga para o Brasil, em busca da segurança no país do futuro. A
depressão insuportável, porém, o acompanhou e o fim trágico aconteceu – a
morte no paraíso, como escreveu seu biógrafo Alberto Dines.
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Outras fontes:
“Brasil, país do futuro”, Stefan Zweig, Nova Fronteira, Rio, 1981;
“Morte no paraíso” (biografia), Alberto Dines, Nova Fronteira, Rio, 1981;
“Stefan Zweig” (biografia), Donald Prater, Paz e Terra, S, Paulo, 1991.
(19 de março/2011)
CooJornal no 727
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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