26/02/2011
Ano 14 - Número 724
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
AS NASCENTES
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Como registrei em outras ocasiões, conheci o rio São Francisco em vários
pontos de seu longo curso. Para completar minhas antigas relações com o
Velho Chico, no entanto, acudia-me o antigo desejo de visitar suas
nascentes, aquele local escondido entre as alterosas mineiras em que ele
brota de pequenos veios de onde escorre a água cristalina que irá formar
um dos maiores e mais curiosos rios brasileiros. Entre suas diversas
curiosidades está o fato bastante raro de que corre de sudoeste para
nordeste, contrariando a regra mais ou menos geral de que nossos rios
costumam correr em outro sentido, ou seja, do oeste para o leste ou para o
sul.
Foi assim que, numa viagem a Minas Gerais, organizei uma excursão para
surpreender o São Francisco ainda em fraldas, como um recém-nascido cujo
marulhar nem sequer constitui ainda um chorinho mais audível. Com a filha,
o genro, a neta e a esposa, partimos de carro em direção à cidade de
Piumhi que, apesar do nome estranho (dizem que significa pequeno
mosquito), é bastante grande e acolhedora. Lá pernoitamos num hotel novo e
confortável, partindo na manhã seguinte em direção a São Roque de Minas,
em cujo interior estão situadas as nascentes, em plena Serra da Canastra.
Depois de visitar a cidade e conhecer a sede da célebre cooperativa que
levantou a economia da região, em crise na época, enveredamos por uma
estradinha carroçável, saltando por pedras e buracos, vencendo descidas
assustadoras e subidas quase invencíveis, chegamos, afinal, ao lugar
encantado, onde tudo observamos e fotografamos. Não é fácil acreditar que
de veios tão minguados, brotando na secura sem par daquele cerradão, venha
a se formar a caudal majestosa do Velho Chico. Mas assim é a natureza.
A geografia da região, pontilhada de serras, picos, penhascos e vales que
se perdem no horizonte faz lembrar o jagunço-filósofo Riobaldo quando
dizia que o sertão é um mundo. Naqueles ínvios encapelados é quase
impossível prender algum foragido conhecedor do terreno.
A escala seguinte foi em Vargem Bonita, município desmembrado de São Roque
de Minas. Cidade menor e mais cuidada, tem aspecto agradável e limpo.
Percorremos o centro urbano, observando o viver calmo da gente
interiorana. Experimentamos alguns doces, sorvetes e o famoso queijo da
região, um de seus produtos mais apreciados, ao lado do café nativo. Na
entrada da cidade, diante do prédio que reunirá os artesãos locais, ainda
fechado, fizemos uma parada para observar o rio. Aqui o São Francisco já
tem as características de um verdadeiro curso d’água e corre em meio a
densa mata ciliar. É bastante curvo e tem pouca água nesta época do ano,
deixando à mostra pequenas praias arenosas em suas barrancas e algumas
“coroas” (bancos de areia) ao longo do leito. Calculamos a olho que deve
ter cerca de quinze a vinte metros de largura naquele ponto. Em marco
plantado numa das margens uma placa afirma que Vargem Bonita é a primeira
cidade banhada pelo Velho Chico.
A parada seguinte foi na cidade de Capitólio, centro histórico e turístico
de renome, onde está situada a Hidrelétrica de Furnas, cujo lago imenso e
onipresente pode ser avistado à distância. Possui excelentes hotéis,
pousadas e restaurantes. Existem cachoeiras e cânions que podem ser
apreciados em passeios de lanchas pelo lago. Trilhas para passeios
ecológicos guiados também são bastante procuradas. A estrada que passa
sobre a represa oferece um belo panorama.
No retorno a Belo Horizonte, em ambas as margens da rodovia, avistamos
imensas plantações de café. Enfileiradas e verdejantes, as inconfundíveis
árvores do rei-café, pilar de nossa economia durante longo tempo, se
estendem pelos vales e colinas como um exército regular e disciplinado. É
um panorama que faz lembrar Monteiro Lobato, o cronista maior do império
cafeeiro no apogeu da riqueza e, mais tarde, da decadência. Seu livro
“Cidades Mortas” é o mais veemente retrato do período final. A população
daqueles recantos muito se orgulha da qualidade de sua rubiácea.
Avistamos também apreciável quantidade de pássaros, entre eles seriemas e
tucanos (sem qualquer alusão a certos políticos).
(26 de fevereiro/2011)
CooJornal no 724
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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