05/02/2011
Ano 14 - Número 721
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
QUEM CONHECE CALMON?
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Embora pouco conhecida dos catarinenses em geral, a pequena cidade de
Calmon, ao norte do Estado, tem uma história interessante e seu passado
foi movimentado como poucos, repleto de incidentes que marcaram fundo a
alma de sua gente.
Como meu padrasto fosse funcionário da célebre Companhia Lumber (Southern
Brazil Lumber & Colonization Company), integrante do Sindicato de Percival
Farquhar, lá passei muitas férias do Colégio, em contato direto com seu
povo, numa relação que nunca se rompeu.
Situada na região norte do Planalto, Calmon se chamava Osman Medeiros e
nasceu às margens da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, depois Rede
Viação Paraná-Santa Catarina, cerca de 60 quilômetros ao sul de Porto
União, na chamada Linha Sul, que cortava todo o Vale do Rio do Peixe e
terminava em Marcelino Ramos (RS). Por longos anos pertenceu a Porto
União, como distrito, e depois a Matos Costa, até que obteve sua
emancipação como comuna independente há uns quinze anos. Tem uma população
estimada em 4000 habitantes, sua Câmara é composta por nove vereadores e
pertence hoje à comarca de Caçador. Está situada a uma altitude de 1181m,
o que faz dela uma das localidades mais frias do Estado. Durante meio
século batalhou pelo asfaltamento da rodovia que cruza seus limites
urbanos, por ironia conhecida como Estrada da Amizade. Esse sonho foi
concretizado pelo Governador Luiz Henrique, dotando-a de uma estrada
excelente, bem planejada e sinalizada, que parte de Caçador, atinge Calmon
e passa por Matos Costa, São Miguel da Serra e vai até Porto União,
ligando-a ao sistema viário nacional. Os habitantes da região enfim se
livraram das pedras e buracos que tornavam suas viagens, mesmo curtas,
verdadeiras aventuras.
Calmon foi uma das sedes da Companhia Lumber e a outra ficava em Três
Barras, ambas administradas pela direção geral, no Rio de Janeiro. Essa
multinacional é apontada pelos historiadores como uma das causadoras da
Guerra do Contestado (1912/1916), o mais sangrento levante da história
nacional, envolvendo também a questão de limites com o Paraná e o
misticismo dos “monges” João Maria, que foram dois, e José Maria, o “monge
guerreiro.” Serviu de palco para violentos atos de guerra, a população foi
forçada a fugir e inúmeras pessoas pereceram, vítimas dos ataques dos
revoltosos. A população local designava esses episódios como a Revolta dos
Jagunços e foi assim que ouvi falar deles desde os dias de criança. Matos
Costa, distante vinte quilômetros, também sofreu violentos ataques, lá se
travaram grandes batalhas e foi incendiada. É natural, portanto, que
Calmon e a região guardem muitos sinais de um conflito que durou tantos
anos, não apenas físicos, mas também na memória coletiva e na tradição
oral. A revolta foi batizada pelos historiadores, mais tarde, como Guerra
do Contestado e assim ficou consagrada.
O território onde se situa o município foi permutado entre o Governo
Federal e Percival Farquhar pela construção da ferrovia. Pretendia o
Governo impulsionar o desenvolvimento da região, mas não esperava que os
caboclos e índios, habitantes da terra que foram desalojados, reagissem
com tal bravura e por tanto tempo. Para vencer a resistência foi
necessária a movimentação de uma força militar jamais usada no país,
envolvendo até mesmo o emprego da aviação, quando pereceu o Tenente
Ricardo João Kirk, a primeira vítima da aviação militar brasileira. A
Lumber, tão logo foi concluída a ferrovia, deu início à serragem dos
pinheiros a madeiras de lei em serrarias próprias e associadas, cortando
milhões de árvores, havendo quem estime em até um bilhão delas em toda a
região. Usava serras-fitas modernas e guinchos poderosos, ainda hoje
lembrados pelos moradores mais antigos. A fantástica renda auferida pela
Companhia se esvaiu pelos vãos dos dedos e nada ficou. Nem uma estrada,
uma escola, um hospital, um melhoramento urbano. Até as casas dos
funcionários e operários, construídas com madeiras sem qualidade,
desapareceram se deixar vestígios. Para completar, a ferrovia foi
desativada e está entregue ao abandono e ao vandalismo. Nem ela restou.
(Continua)
(05 de fevereiro/2011)
CooJornal no 721
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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