29/01/2011
Ano 14 - Número 720
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O ÚLTIMO CANGACEIRO
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Não imaginei que o cangaço despertasse interesse. Após a publicação da
crônica sobre o Capitão Virgolino (Lampião), alguns leitores se declararam
interessados, razão pela qual retorno ao assunto. E, por coincidência, um
fato novo e raro, relacionado ao cangaço, acaba de ocorrer.
Noticiou a imprensa (*) que Antônio Francisco ou Antônio Inácio da Silva,
mais conhecido como Moreno, faleceu em Belo Horizonte, aos 6 de setembro
de 2010, contando 100 anos de idade. A notícia, ainda que lamentável, nada
teria de extraordinário, uma vez que relatava o passamento de um cidadão
longevo e desconhecido. O curioso, no entanto, é que Moreno foi um dos
mais destacados integrantes do bando de cangaceiros chefiado por Virgolino
Ferreira da Silva, o célebre Lampião. Quando correu a notícia da morte de
Lampião, na Grota do Angico, em 1938, segundo os historiadores, Moreno
desapareceu sem deixar rastros para lugar desconhecido e nunca mais se
teve notícia dele. Foi o que afirmou, entre outros, o pesquisador Hilário
Lucetti, em livro que tive o prazer de prefaciar.
Na verdade, porém, Moreno apanhou a mulher Durvalina (Durvinha) e se
evadiu para Minas Gerais, onde permaneceu até o fim. Deixaram para trás um
filho de poucos meses, que foi entregue a um padre que o criou, porque seu
choro poderia despertar a atenção das volantes policiais caso permanecesse
no bando. Ele, por precaução, adotou o nome de José Antônio Souto, e ela
de Jovina Maria. Suas atividades cangaceiras foram guardadas a sete
chaves, escondidas até mesmo dos cinco filhos que tiveram depois. Para
sobreviver, exerceu atividades como agricultor, carvoeiro e comerciante.
Em seus últimos tempos andava adoentado, sendo internado no hospital em
que trabalha o escritor Manoel Hygino dos Santos, em informação fornecida
por carta. Com o desaparecimento de Moreno, fecha-se para sempre o chamado
“período lampiônico”, uma vez que morreu o último cangaceiro ainda
existente.
Aos poucos, com extremo cuidado, o casal revelou aos demais filhos a
existência do primeiro, de nome Inácio, criado pelo padre. Foram
procurá-lo e o encontraram em 2005, ocasião em que ele conheceu os pais. A
participação do casal no cangaço também acabou transpirando e até um livro
foi escrito a respeito. Também um filme foi realizado, embora ainda não
exibido. Segundo o historiador Napoleão Tavares Neves, Moreno e Durvinha
foram recebidos na cidade onde haviam morado, Brejo Santo, no Cariri, há
alguns anos. Durvinha, afirma ele, “foi a cangaceira mais bonita do
cangaço, ex-companheira de Virgínio, cangaceiro tido como bonitão e que
Durvinha nunca esqueceu. Pela longevidade do casal de cangaceiros, parece
que sofrimento, privações de toda ordem e fome são vitaminas de
longevidade.” Ao falecer, Moreno estava viúvo há dois anos.
Segundo o noticiário, “um dos maiores medos de Antônio Inácio da Silva era
ter sido decapitado, como fizeram com os seus pares. (...) No fim dos anos
30, as cabeças de Lampião e Maria Bonita foram expostas ao público, como
troféus. (...) Anteontem, em Belo Horizonte, atendendo a um desejo seu,
houve fogos em seu enterro para comemorar o fato de ele ter morrido sem
ter sido decapitado.” Como se sabe, as cabeças dos cangaceiros mortos na
Grota do Angico, inclusive de Maria Bonita e de Lampião, foram
transportadas em latas de querosene e expostas ao público em diversas
cidades. Depois, mumificadas, permaneceram expostas no Instituto Nina
Rodrigues, em Salvador, até 1969, onde ainda tive ocasião de vê-las. Um
espetáculo horripilante.
Encerrado o cangaço ao estilo de Lampião, vigora hoje um muito pior.
Munidos de armas pesadas, metralhadoras e bombas, os cangaceiros modernos
matam sem motivo pessoas desarmadas e sem qualquer possibilidade de
defesa, não respeitam velhos, mulheres e crianças. Embora considerados
feras, Lampião e seus comandados não matavam sem razão. “Não é vantagem
atacar um homem desarmado, - dizia ele – vantagem é enfrentá-lo em
igualdade de armas!”
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“Folha de S. Paulo”, 9 de setembro de 2010, Caderno Cotidiano, Pág. C 3.
(29 de janeiro/2011)
CooJornal no 720
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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