22/01/2011
Ano 14 - Número 719
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O OLHEIRO
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A crônica sobre o livro “Escritores e Espiões”, de autoria do espanhol
Fernando Martínez Laínez (Editora Relume Dumará – Rio – 2004) provocou
algumas manifestações de leitores interessados em saber algo mais a
respeito. Por essa razão, volto ao assunto, focalizando agora o escritor
britânico Graham Greene, muito conhecidos dos brasileiros graças a seus
livros “Expresso do Oriente”, “O Terceiro Homem”, “Nosso Homem em Havana”,
“Fim de Caso” e outros, além dos filmes neles inspirados.
Segundo o autor, Greene foi um personagem ambíguo e contraditório, difícil
de analisar. Convertido ao catolicismo, padecia graves crises místicas,
angustiantes e depressivas, mas, ao mesmo tempo, traía com a maior
naturalidade. Separado da mulher, nunca se divorciou em obediência ao veto
católico ao divórcio. Manteve por anos uma amante, a quem também traía e
dela recebia idêntico tratamento. Não obstante, foi discreto ao extremo
sobre suas relações amorosas. Um de seus biógrafos, com evidente
hostilidade, afirmou que ele foi “um mentiroso patológico, antissemita,
mulherengo sem escrúpulos e político demagogo” (p. 139). Greene, no
entanto, embora tivesse vocação política, nunca se envolveu nessa
atividade e jamais assumiu posição partidária ou ideológica. Dizia mesmo
nutrir absoluto desprezo pelos políticos em geral. “Olhando para onde se
olhe – e salvo em casos excepcionais, - um político é alguém totalmente
amoral e corrupto” – generalizava ele (p. 133). Passou a vida preocupado
em esconder certos fatos, despistando e tergiversando, procurando a todos
custo embaraçar eventuais biógrafos.
Não obstante, hoje é conhecida sua vida dupla, como agente do Serviço
Secreto britânico, iniciado nessa atividade pelo célebre “mestre de
espiões” Kim Philby, mais tarde identificado como agente duplo a serviço
da URSS, e que foi forçado a se exilar em Moscou, onde permaneceu até o
fim da vida. Apesar de exercer a espionagem, Greene parece que não chegou
a dedo-duro, como foi o caso de Le Carré. Durante a II Guerra Mundial teve
intensa atuação como espião, mantendo sempre contato epistolar com o
mestre, a quem visitou na então capital soviética. Na ocasião a URSS
formava com os aliados. Tentando justificar a atitude de Philby, declarou
certa vez: “ Ele “traiu” o seu país, sim, é certo que o fez. Mas quem
entre nós não traiu algo ou alguém mais importante do que um país?” (p.
137). O grupo em que trabalhava conseguiu decifrar “o enigma”, o sistema
cifrado alemão que os britânicos desvendaram sem que o inimigo
desconfiasse. “Isso praticamente entregou em mãos aliadas todas as
comunicações militares do Reich” (p. 147). Mas de repente, às vésperas da
invasão da Normandia e sem muitas explicações, o escritor se demite do
Serviço Secreto por razões não muito claras. Mais tarde diria que não
estava contente com o que fazia e que suas funções eram tão burocráticas
como o trabalho de escritório.
Apesar da ostensiva posição contrária aos políticos, a crítica, por
ironia, sempre o considerou um escritor político. Sua experiência na
espionagem, mantendo-se por dentro das tricas e futricas da diplomacia
mundial e a vivência como jornalista lhe forneceram imenso material para
livros de enorme sucesso em todo o globo. Evitou colocar questões
ideológicas ou políticas em suas obras, portando-se como um observador
onisciente mas desapaixonado. Desligado do Serviço Secreto, voltou ao
jornalismo e às suas obras, desenvolvendo intensa atividade, viajando e
produzindo muito. Abordando temas ligados à espionagem, tentava demonstrar
pouco conhecimento do assunto e afirmava ter conhecido, quando muito, meia
dúzia de espiões. E ao recordá-los deixava entrever que não confiava neles
como olheiros profissionais, descritos sempre com intensa ironia.
A vida de Greene foi intensa e repleta, justificando um dos mais longos
ensaios do livro, do qual estas são meras notas para incentivo do leitor.
Vale a pena ler o livro todo.
(22 de janeiro/2011)
CooJornal no 719
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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