16/10/2010
Ano 14 - Número 706
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O CAPITÃO VIRGOLINO
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Bandoleiros e salteadores sempre existiram pelas estradas do mundo. O
cangaço, porém, foi um fenômeno típico do Brasil e prosperou de longa data
até cerca dos anos 1940, com a morte de Cristino Gomes da Silva Cleto, o
Corisco ou Diabo Louro, em 25 de maio, data fixada pelos historiadores
como o termo final da atividade cangaceira. Pela forma de execução, o
cangaço só se tornou possível nas grandes extensões de terras, onde o
latifúndio imperava, e em regiões de população rarefeita. Todas essas
circunstâncias fizeram do cangaço um dos fenômenos sociais mais estudados,
despertando permanente interesse de pesquisadores nacionais e
estrangeiros. Entre os mais recentes está o magistrado Sérgio Augusto de
Souza Dantas, autor de dois livros fundamentais sobre o assunto: “Antônio
Silvino – O cangaceiro, o homem, o mito” e “Lampião – Entre a espada e a
lei.”
Alguns cangaceiros alcançaram grande notoriedade e se transformaram em
objetos da admiração popular como justiceiros e protetores dos pobres,
espécies nativas de Robin Hoods caboclos. Entre os mais famosos estavam
Sinhô Pereira, Antônio Silvino, o próprio Corisco e, acima de todos,
Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião. Algumas mulheres também se
notabilizaram, como Maria Bonita, companheira de Lampião, e que morreu com
ele na Grota do Angico, tendo sido degolada ainda viva, segundo
depoimentos, e Dadá, companheira de Corisco, na verdade a própria
comandante do bando.
Para sobreviver, os cangaceiros contavam sempre com o apoio velado e a
proteção de grandes fazendeiros, comerciantes e políticos – os chamados
coiteiros. Eram eles que davam abrigo aos bandos em suas fazendas,
orientavam sobre a localização das volantes policiais e forneciam armas e
suprimentos. Não raro, usavam os bandos de cangaceiros para tirar suas
diferenças com inimigos, adversários políticos e até mesmo se associavam
na divisão dos saques. Isso explica, em parte, a sobrevivência do cangaço
por tão longo espaço de tempo e a prolongada ação de alguns bandos em
vários Estados. Lampião, por exemplo, exerceu o cangaço com extrema
violência durante quase vinte anos, escapando sempre das volantes
policiais que infestavam os sertões para sua captura. Verdadeiro gênio em
estratégia, enganava e confundia as forças policiais, exercitando uma
espécie de guerrilha móvel com incrível agilidade e rapidez. Isso o
transformou numa figura mítica aos olhos do povo, acreditando muita gente
que possuía poderes mágicos e miraculosos que lhe permitiam desaparecer
sem deixar vestígios, além de ter o corpo fechado aos ataques com armas.
Comparado aos grandes criminosos do mundo, Lampião teve uma carreira muito
mais longa.
Apesar de sua inteligência, no entanto, Lampião também foi usado por
políticos que exploraram sua imensa vaidade. Em 1926 a Coluna Prestes
assombrava o Brasil com sua interminável e vitoriosa marcha. Foi então que
o célebre Padre Cícero Romão Batista, prefeito de Juazeiro do Norte,
inspirado pelo deputado federal Floro Bartolomeu da Costa, intentou lançar
o bando de Lampião contra os tenentes da Coluna. Mediante várias
promessas, Lampião foi convidado a visitar aquela cidade, onde foi
recebido com todas as honras. Deram-lhe armas modernas, fardamento,
dinheiro e, inclusive, a patente de capitão de um dos chamados Batalhões
Patrióticos. Assinada pelo único funcionário federal da cidade, a patente
era um documento falso e destituído de valor. Quando Lampião descobriu que
nada valia, ficou furioso e só não retornou a Juazeiro para se vingar
porque seria inviável. Em compensação, ficou com as armas, o dinheiro e o
fardamento sem nunca se preocupar com a Coluna Prestes. E desde então, até
o final, passou a se chamar Capitão Virgolino Ferreira da Silva.
A carreira de Lampião terminou em 28 de julho de 1938, na Grota do Angico,
onde foi emboscado com Maria Bonita e nove companheiros graças e uma
traição. Tinha 43 anos. Sua cabeça e as dos demais foram decepadas e
exibidas ao público em diversas cidades. Depois, por muitos anos,
permaneceram expostas ao público no Instituto Nina Rodrigues, em Salvador,
até 1969, quando foram, enfim, sepultadas. O povo miúdo jamais aceitou a
morte de Lampião. Até hoje a mitomania cria hipóteses e teorias
conspiratórias não cessam de surgir.
(16 de outubro/2010)
CooJornal no 706
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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