18/09/2010
Ano 14 - Número 702
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
O IMPLACÁVEL AGRIPPINO
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Agrippino Grieco foi um dos mais importantes críticos literários do século
passado e, sem dúvida, o mais temido. Seu julgamento causava tremor de
pernas e provocava taquicardias, em especial nos autores que se
auto-proclamavam gênios. Sarcástico e irônico, dono de impressionante
cultura, era capaz de identificar um simples verso que se assemelhasse ao
de outro autor em qualquer texto que lia, como chegou a fazer com Machado
de Assis. Não perdoava os enfatuados, os vaidosos, os que se promoviam a
qualquer custo e suas manifestações provocavam suspense. Mas também sabia
ser justo e muitas reputações literárias a ele se devem.
Suas “Memórias”, publicadas em dois volumes pela Editora Conquista (Rio de
Janeiro), foram muito esperadas e, por que não dizer, temidas. Mas, ainda
que escritas por um mestre, provocaram certa decepção nos leitores. Nelas
abundam o sarcasmo, a ironia e a maledicência mas é pobre em fatos. Muito
mais se esperava de homem tão vivido e com tão longa atuação nos meios
literários. Está longe de figurar entre os grandes documentos do gênero,
razão pela qual não é lida e citada como o renome de seu autor parecia
indicar.
No correr do livro, dois autores, entre os conhecidos, mereceram louvor
sem reservas: João do Rio e José Lins do Rego. Outros, mais obscuros ou
hoje esquecidos, também tiveram sua dose de elogios. Já Lima Barreto levou
verdadeira surra, não apenas pela obra mas também pelo modo de vida.
Segundo ele, Lima jamais demonstrou ternura pela própria gente, a não ser
pelo pai. Na repartição onde trabalhava nunca foi muito festejado e havia
quem o detestasse de forma franca. Dava a impressão de não ver nada em
volta de si, embora tudo visse e anotasse mentalmente para futuros livros.
Quando bebia, costumava afirmar que era um grão-duque russo decaído e
pronto a enviar para a Sibéria seus inimigos tão logo retomasse o poder.
Cambaleava tanto na gramática como nas ruas. Não tinha simpatia pela gente
da Academia e, bem observando, nem pela gente de fora dela. Indiferente à
música e à pintura, andava sempre molambento e sujo, chocando de propósito
os elegantes da rua do Ouvidor.
Quanto à obra – diz o crítico – pouco se salva. Produziu incontáveis
páginas de prosa desconexa, tão esfrangalhadas quanto as suas roupas.
Apesar de tudo, porém, não pôde negar que Lima foi o pioneiro de um
romance que autenticamente penetrou o povo e com ele o subúrbio começou a
ter categoria literária. O povo, em seus escritos, ganhou status de
personagem e invadiu as obras literárias, até então reduto de nobres e
ricos. E nisso está a sua glória, transformando-o no maior e mais
brasileiro de nossos romancistas.
(18 de setembro/2010)
CooJornal no 702
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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