11/09/2010
Ano 13 - Número 701
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
AS MEMÓRIAS DE AGRIPPINO
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Agrippino Grieco foi um dos maiores críticos literários brasileiros e, sem
dúvida, o mais temido. Implacável nos julgamentos, era um demolidor,
embora seu aplauso firmasse reputações. Sarcástico, irônico, corajoso,
dono de espantosa memória e imensa erudição, nada lhe escapava. Suas
“Memórias”, publicadas em dois volumes (Editora Conquista – Rio), foram
muito esperadas e, por que não dizer, temidas. Mas sob certos aspectos
provocaram decepção, são pobres em fatos, ficaram aquém do que se esperava
de homem tão vivido e com tal atuação nos meios literários. Apesar disso,
é de leitura agradável e muito tem a desvendar e ensinar sobre nossas
letras e seus bastidores.
Nascido em Paraíba do Sul, no interior fluminense, é com intensa saudade
que evoca a cidade, sua paisagem e sua gente. Revela intensa admiração
pelos negros e reconhece seu admirável talento narrativo, o que é de
admirar em fase histórica de tanto preconceito. Afirmando que seu coração
tinha memória (muitos duvidavam!), reiterava que foi menino de campo e
rio, não de praia e montanha, e que a melodia fluvial do Paraíba da
infância ficou indelével na lembrança. Dentre as mais remotas recordações,
evoca um curioso casal, ele fabricante de caixões de defunto, ela
parteira, que cobravam preços módicos pelo serviço. “Cobravam os dois uma
espécie de pedágio a todos os transeuntes da vida” – observou. Um na
entrada, outro na saída. Anota que percebeu muito cedo um de nossos
cacoetes: a tendência a deprimir tudo, o gosto das deformações irônicas.
Recorda um mexeriqueiro local que só propalava as coisas positivas,
realizando uma intriga afetiva (Câmara Cascudo dizia intriga do bem).
Nunca esqueceu do hoteleiro desdentado que punha à mesa um prato de nozes,
revivendo o provérbio de que Deus dá nozes a quem não tem dentes. E havia
o professor de história que amoldava os fatos à própria imaginação. Para
ele, Nabucodonosor fôra vegetariano fanático, por isso andava de quatro, à
procura das melhores ervas, o que lhe valeu a injusta fama de animalizado.
Recorda com piedade o mendigo que costumava molhar o pão no azeite da
lamparina da igreja de São José. Mostra como são antigas certas expressões
populares que repetimos até hoje, imaginando que são de ontem. Relata a
“lenda” de que Nilo Peçanha colocava em sua sala de espera quepes de
generais e almirantes, dando ao visitante a impressão de que se encontrava
am altas reuniões. E, para o futuro presidente, valia o refrão de que o
que está feito está feito e o que não está feito também está
feito...Depois, em sucessivas leituras, brota a paixão por Castro Alves
que levaria até o fim da vida. “E graças a ele, eu, que não tinha nada,
tinha tudo, porque tinha a esperança.”
A impressionante fauna humana da Província e depois do Rio de Janeiro vai
tomando as páginas. Seres curiosos, bizarros, maníacos, ricos e pobres,
bonitos e feios, inteligentes e primários, bons e maus vão invadindo
páginas que retratam uma das fases mais ricas de nossa vida cultural,
filtrada pela visão de um homem de rara sensibilidade.
(11 de setembro/2010)
CooJornal no 701
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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