29/05/2010
Ano 13 - Número 686
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
S. O. S AMARANTE!
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Quando recebi o título de cidadão honorário do Piauí, por decisão da
Assembleia Legislativa daquele Estado, em Teresina, dei uma esticada,
junto com amigos, para conhecer Amarante. Situada na região sul piauiense,
às margens do rio Parnaíba, - o Velho Monge do poeta, - é uma cidade
histórica que abriga impressionante conjunto arquitetônico, em local
bonito e aprazível, de onde se dercortina o magnífico panorama das serras
gêmeas, de formato aproximado ao retângulo, na outra margem do grande rio,
o que confere à cidade uma característica singular e inesquecível. A
avenida principal, partindo da escadaria que conduz ao ponto mais alto,
segue em linha reta até o rio, toda arborizada e com as construções em
estilo colonial alinhadas em ambos os lados. É um ambiente acolhedor e tão
logo o avistei tive a viva impressão de que o conhecia de longa data,
tantas vezes o vi retratado em fotos e jornais. Por ela caminhamos, num
bando alegre de pessoas que nos acompanhavam, conversando e aprendendo
sobre a antiga cidade.
Além de um rico passado histórico, registrado em numerosas obras a
respeito da cidade, do município e da região, Amarante tem sido o berço de
personalidades do maior destaque na vida cultural do Estado e do próprio
país. Basta lembrar, entre tantos outros, o célebre poeta Da Costa e
Silva, o poeta da saudade e que atribuiu ao Parnaíba a alcunha inapagável
de Velho Monge, considerado até hoje a maior figura da poética piauiense e
uma das grandes da literatura nacional. Sobre ele existe copiosa
bibliografia e comentei sua vida e obra em meu livro “O Perto e o Longe.”
Nos altos da escadaria, em local destacado, erige-se o busto em sua
homenagem, local de visita obrigatória para quantos passam pela cidade e
sua própria população. Lá também estivemos, prestando nossa comovida
homenagem ao grande vate em sua terra natal. Amarantino da maior expressão
foi também Clóvis Moura, o sociólogo da negritude, meu dileto e saudoso
amigo, cujas cinzas foram lançadas à caudal do Velho Monge, a seu pedido,
pela esposa. Sobre ele muito escrevi nos jornais e pelo menos dois ensaios
a respeito de sua obra estão em meus livros. Muitos outros escritores e
poetas amarantinos têm se destacado nas letras, merecendo lembrança Homero
Castelo Branco, autor de vasta obra e do projeto que me transformou em
cidadão piauiense. Outras manifestações enriquecem a vida cultural da
cidade nas artes plásticas, no artesanato popular, na música e até no
cinema. A Academia de Letras é muito ativa.
Em nossa visita, minha esposa e eu fomos recebidos e tratados com a maior
simpatia. Em solenidade na Câmara Municipal, saudou-nos em nome da cidade
o presidente da Academia, Virgílio Queiroz, e outras personalidades locais
se manifestaram. Numerosas pessoas nos prestigiaram. Nas andanças pelo
interior do município contamos sempre com a companhia de muita gente
alegre e simpática. Momentos inesquecíveis em que o calor piauiense se
casava com o da afeição.
Agora, porém, uma nuvem de apreensão e receio paira sobre a vida feliz e
bucólica dos amarantinos. Notícias veiculadas pela imprensa alçaram um
verdadeiro fantasma sobre os moradores da simpática cidade. É como um
terrível pesadelo que continua mesmo na vigília e perdura à luz radiante
do sol equatorial. Por uma dessas decisões insólitas e incompreensíveis de
entidades públicas ditas superiores, informa-se que deverá ser construída
enorme barragem no rio Parnaíba, pouco abaixo da cidade, para construção
de uma usina elétrica. Como consequência inevitável, o imenso lago a ser
formado poderá submergir por completo e para sempre a cidade turística com
seu passado histórico, seu patrimônio arquitetônico e sua cultura. É fácil
imaginar o sentimento que vai nos corações daquela gente tão orgulhosa do
seu passado e de suas conquistas. Num piscar de olhos – que são uns poucos
anos na vida de uma comunidade com tão fundas raízes no passado? – tudo
poderá submergir. A avenida com os casarões senhoriais, as moradas das
pessoas, o lar da família, o cantinho de cada um com todas suas
lembranças, a escola, a igreja, os locais dos encontros, das festas, das
danças, do folclore, as árvores verdejantes com suas sombras benfazejas,
tudo, tudo mesmo, poderá ser sepultado sob as águas. Como aconteceu com
Canudos; como aconteceu com Itá e com outras mais.
É nessas horas que se percebe o valor e o sentido da democracia porque a
grita já começou. Amarantinos de perto e de longe protestam, escrevem nos
jornais, enviam mensagens e tentam, por todos os meios, sensibilizar os
que detêm o poder de decisão. A todos eles junto minha voz, ainda que
fraca e sem ressonância, mas desinteressada e sincera, esperando que o
pesadelo por eles vivido se esvaneça no raiar do novo dia.
(29 de maio/2010)
CooJornal no 686
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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